Covid-19: Médicos angolanos recém-formados sem emprego
30 de abril de 2020Num momento delicado para a saúde dos cidadãos de Angola, centenas de médicos, na sua maioria recém-formados, que reprovaram no concurso público realizado em fevereiro estão dispostos a trabalhar nos hospitais para ajudar no tratamento dos infetados pelo novo coronavírus.
Os candidatos queixam-se de várias irregularidades no concurso que visava recrutar mais profissionais para o setor da saúde. Há quem tenha feito provas, mas na pauta de classificação apareça como "ausente", e há ainda candidatos que dizem ter feito o teste "A", mas na pauta aparecem como tendo feito o teste "B".
O Ministério da Saúde (MINSA) garantiu recentemente que "houve transparência no processo de correção". Mas as queixas avolumam-se. Esta é a fase de reclamações. No entanto, a página online para as submeter não funciona há uma semana, sem justificação aparente.
Uma das candidatas que prestou o concurso, pede o anonimato, mas afirmou que considera a situação "bizarra".
"O senhor dos recursos humanos disse que houve transparência na correção dos testes de aptidão ao MINSA, e que quem passou, passou e quem não passou, paciência. Nós, enquanto candidatos, nos recusamos aceitar que houve transparência naquilo que foram os testes de aptidão. [...] Sabemos todos que as reclamações vão até ao dia 30 deste mês e até hoje não se voltaram a pronunciar", afirmou a jovem médica.
Luta contra a pandemia
A situação é tanto mais problemática numa altura em que o país luta contra a pandemia da Covid-19. Em Angola, são 27 casos confirmados e mais de 2 mil infetados sob suspeita, segundo balanço divulgado pelo MINSA na quarta-feira (29.04). Os jovens médicos querem ajudar, mas o Ministério da Saúde não está a facilitar, comentou outra candidata, que também pede o anonimato.
"O MINSA não está a dar oportunidades aos profissionais de saúde angolanos, que estão dispostos a ajudar o país no que for necessário", relatou a candidata.
O secretário-geral do Sindicato do Médicos de Angola, Adriano Manuel, também critica a forma como decorreu o concurso público. E pede ao Governo que dê emprego a todos os jovens candidatos.
"Não se justifica, depois destes serem formados, depois de o Governo gastar muito dinheiro na formação, não empregar estes médicos. Isso é que não concordamos e vamos continuar a lutar para que todo o mundo entre", afirmou o secretário-geral do sindicato.
A reportagem da DW contatou o Ministério da Saúde para obter informações sobre o concurso e as reclamações dos candidatos, mas não obteve uma reação.
Desembarque de médicos cubanos
Entretanto, este mês, chegaram ao país 244 médicos cubanos, que vão trabalhar nos 164 municípios de Angola. A vinda dos médicos gerou polémica na sociedade, uma vez que há muitos técnicos de saúde angolanos no desemprego.
No entanto, para o sindicalista Adriano Manuel, a chegada dos profissionais cubanos não constitui ameaça para os angolanos. O país continua com défice de médicos, diz Adriano Manuel.
O secretário-geral afirma que o sindicato apoia a contratação dos médicos locais, para além da possibilidade aos jovens recém-formados angolanos, custaria menos para os cofres públicos.
"O sindicato defende prioridade para os médicos angolanos numa situação em que o país não tem dinheiro para pagar médicos, porque, com a vinda destes médicos cubanos, gasta-se muito dinheiro", afirma Adriano Manuel.
O médico sindicalista ainda afirma que os gastos com os médicos cubanos poderiam ser revertidos em materiais hospitalares para melhorar as condições de atendimento das instituições.
De acordo com Adriano Manuel, que cita fontes do Ministério da Saúde, "um médico [cubano] custa mensalmente seis mil dólares aos cofres do Estado". "Com este dinheiro podíamos fazer muita coisa. Podíamos comprar material para os hospitais e podíamos pagar aos médicos angolanos que estão desempregados", observou o secretário-geral do sindicato.
Condições precárias de trabalho
Os médicos precisam também de melhores condições de trabalho, afirma o sindicalista, que dirige também várias críticas à gestão da ministra Sílvia Lutucuta.
"Temos uma ministra da Saúde egocêntrica, uma ministra da saúde que acha que somente as ideias dela prevalecem. [...] A atual ministra da Saúde usa e abusa da relação privilegiada que tem com o Presidente da República para fazer e desfazer, e isto tem custado de que maneira a morte de muitos angolanos", denuncia Adriano Manuel.
O médico ainda indagou sobre as decisões da ministra, uma vez que a falta de médicos tem prejudicado o atendimento da população mais carente, levando muitas pessoas a mortes nos últimos anos.
"O fato de termos médicos desempregados, porque não temos médicos na periferia, influenciou o elevado índice de mortalidade em 2018 e 2019. Infelizmente, temos um Governo que não olha para isso com sentido de dever", concluiu Adriano Manuel.