Covid-19 agrava crise da dívida em Angola
27 de maio de 2020A dívida de Angola tornou-se praticamente insustentável, asseveram vários observadores internacionais. No ano passado, Luanda destinou quase 43% das receitas do Estado para pagar juros e amortizações da dívida externa. Em comparação, Moçambique gastou cerca de 20% com o serviço da dívida.
Para este ano e para o próximo, a perspetiva também não é animadora, devido à pandemia da Covid-19 - com restrições à circulação e ao comércio ou o encerramento temporário de empresas para tentar travar a propagação da doença.
Um estudo da Universidade Católica de Angola sobre os impactos económicos e sociais da Covid-19, divulgado na semana passada, prevê para 2021 um rácio dívida/PIB acima dos 130% do Produto Interno Bruto.
A China é o principal credor de Angola. Portanto, segundo o economista Carlos Rosado de Carvalho, é com este país que Luanda deve falar em primeiro lugar sobre como reduzir o peso da dívida. No entanto, em entrevista à DW África, Carlos Rosado de Carvalho alerta para alguns perigos nas negociações com Pequim. Adverte ainda para a "imprevisibilidade" causada por uma situação social "à beira da rotura", devido à crise da Covid-19.
DW África: A "bomba" do endividamento angolano está prestes a rebentar?
Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Esta é a grande questão que se coloca em Angola. Nós não sabemos como é que vai ser. Naturalmente que as empresas de "rating" estão atentas, sobretudo em relação ao que Angola vai fazer com a dívida. A minha opinião é que devemos começar pela China, que é o nosso maior credor. Qualquer reestruturação da dívida angolana passa pela China - nem me parece que outros credores aceitem fazer alguma coisa sem que se negoceie ou se reestruture a dívida com a China.
DW África: Portanto, se houver incumprimento, se a "bomba" do endividamento angolano rebentar, a China, como maior credor, deveria perdoar a dívida ou permitir um adiamento dos pagamentos... A China estará pronta para isso?
CRC: Nas negociações, a China tem feito algumas coisas que acho que são perigosas, que é trocar a dívida por ativos. Foi o que aconteceu num país asiático - chama-se a esta troca "debt for equity". A China perdoa a dívida mas fica com ativos - no caso, foi um porto. Portanto, havia aquela história de que a China emprestava dinheiro, não se preocupava e não se ingeria nos assuntos internos dos países a que emprestava dinheiro... mas agora estamos aqui à beira de pagar uma fatura.
DW África: Em 2019, Angola destinou quase 43% das receitas do Estado para pagamento de juros e amortizações de dívida externa. O que significa isso para o povo angolano? Mais cortes na Saúde, na Educação? Aumento de impostos ou dos preços de bens básicos?
CRC: Se nós temos tivermos de dar mais dinheiro para o serviço da dívida, fica menos dinheiro para as despesas internas. E creio que a despesa com juros da dívida pública já é praticamente igual à soma das despesas sociais de Angola. Nós gastamos tanto com as despesas sociais em Angola como gastamos com os juros. A situação está muito complicada.
DW África: Espera uma crise social e humanitária em Angola?
CRC: Esse é o problema. Angola tem 10 milhões de empregados e, desses 10 milhões, mais de sete milhões são informais. São pessoas que não têm qualquer tipo de contrato com as empresas onde trabalham ou que trabalham por conta própria. Se não trabalham, não ganham. E, com o confinamento, é óbvio que isto complicou. A situação social já era grave e agora piorou. A resiliência do povo angolano é enorme. Nós já vimos, em outras geografias, que, com aumento do pão ou dos combustíveis, houve manifestações - e os angolanos têm aguentado praticamente tudo. Vamos ver o que acontece, é imprevisível. Agora, a situação social, que já era grave, degradou-se muito e está à beira da rotura.