Costa do Marfim vai a votos em ambiente tenso
31 de outubro de 2020Cerca de 7,5 milhões de costa-marfinenses vão às urnas este sábado (31.10) numa eleição marcada por receios de violência e ameaças de boicote da oposição, que contesta a recandidatura a um terceiro mandato do Presidente cessante.
Observadores preveem uma vitória logo na primeira volta ao atual chefe de Estado, Alassane Ouattara. Desde agosto, altura em que Ouattara anunciou a sua recandidatura, vários incidentes e confrontos causaram cerca de 30 mortes, reforçando os receios de uma escalada de violência étnica, dez anos após a crise pós-eleitoral de 2010 de que resultaram 3.000 mortos.
Desde há uma semana, estão destacados 35 mil elementos das forças de segurança para assegurar as operações das eleições presidenciais de 31 de outubro e cerca de 40 observadores da União Africana e cerca de 90 da Comissão Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) estão já no país.
Sobre o escrutínio paira a incerteza, com a oposição a considerar "inconstitucional" a candidatura de Alassane Ouattara e a apelar à "desobediência civil" e ao "boicote ativo" às eleições, garantindo que a votação não realiza.
Ouattara pede fim da desobediência
Em dia de eleições, o Presidente cessante pediu à oposição que abandone a campanha de desobediência civil decretada contra a sua recandidatura. "Apelo a todos aqueles que lançaram este slogan pela desobediência civil que levou a mortes: parem. A Costa do Marfim precisa de paz", disse Ouattara, depois de votar em Abidjan. "Peço aos jovens que não se deixem ser manipulados".
A polícia disparou gás lacrimogéneo no distrito de Blockhauss, em Abidjan, para dispersar centenas de jovens que tentavam perturbar a votação, segundo um repórter da agência de notícias France Presse.
Na cidade central de Djebonoua, a 350 quilómetros da capital económica, manifestantes bloquearam a principal estrada para norte. Em Daoukro, bastião do líder da oposição Henri Konan Bedie - que boicotou a corrida eleitoral juntamente com o candidato Pascal Affi N'Guessan – grupos de jovens montaram barricadas em alguns bairros para tentar travar a eleição.
Mais de 35 mil polícias e agentes das forças de segurança foram destacados para garantir a segurança durante a votação.
Apelos à paz
Na sexta-feira (30.10), o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, apelou para que as eleições presidenciais na Costa do Marfim sejam "conduzidas pacificamente". António Guterres exortou "todos os líderes políticos e de opinião e os seus apoiantes a absterem-se de incitar à violência, difundir desinformação e usar discurso de ódio", disse o seu porta-voz, Stéphane Dujarric, numa declaração.
Também a procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, alertou, na véspera das eleições, que a violência de 2010 não se pode repetir, apelando à contenção dos atores políticos. A jurista e advogada da Gâmbia condenou particularmente "as alegações de violência étnica, que alegadamente levaram a que pessoas fossem mortas ou feridas, e a que bens da população civil fossem seriamente danificados". "Estes atos podem constituir crimes dentro da jurisdição do Tribunal Penal Internacional", acrescentou.
Já a organização não-governamental (ONG) internacional Human Rights Watch disse esta sexta-feira que mais de 20 pessoas foram mortas, na sequência de violência intercomunitária e política, em vésperas das eleições, lembrando que "o Governo da Costa do Marfim tem proibido manifestações públicas desde 19 de agosto, e as forças de segurança têm interrompido à força protestos da oposição e prendido manifestantes".
Segundo a diretora adjunta para África da HRW, Ida Sawyer, citada na nota, "a história recente da Costa do Marfim vem realçar a necessidade de as autoridades fazerem o seu melhor para garantirem que as eleições presidenciais não pressagiem um regresso à violência intercomunitária e política generalizada". Assim, a ONG apelou a que as autoridades assegurem que "todos possam manifestar-se pacificamente e exprimir as suas preocupações sem interferência".
Apenas quatro em 44 candidaturas avançaram
O Presidente Alassane Ouattara, 78 anos, no poder há 10 anos, concorre contra o antigo chefe de Estado Henri Konan Bédié (no cargo de 1993 a 1999), de 86 anos.
Os dois candidatos mais jovens na corrida são o ex-primeiro-ministro de Gbagbo, Pascal Affi N'Guessan, 67 anos, e o independente Kouadio Konan Bertin, 51 anos, cujas candidaturas têm, segundo os analistas, poucas possibilidades.
Apenas quatro das 44 candidaturas apresentadas foram validadas pelo Conselho Constitucional, que deixou de fora outro dos líderes históricos do país, o ex-Presidente Laurent Gbagbo, 75 anos, no poder de 2000 a 2010, recentemente absolvido pelo Tribunal Penal Internacional.
O Presidente Ouattara tinha prometido entregar o poder à "nova geração", encarnada, segundo ele, pelo seu primeiro-ministro Amadou Gon Coulibaly, 61 anos, mas a sua morte súbita, bem como a candidatura de Bédié fizeram-no mudar de ideias e recandidatar-se.
Ausentes destas eleições presidenciais estão também dois homens que querem encarnar a próxima geração: o ex-líder rebelde e ex-primeiro-ministro Guillaume Soro, 48 anos, que viu a sua candidatura invalidada, e o ex-líder dos Jovens Patriotas, Charles Blé Goudé, da mesma idade, que preferiu posicionar-se para as próximas eleições.