Ucrânia: Kiev e Moscovo procuram apoio de Maputo?
31 de maio de 2023Esta visita surge depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, ter concluído, na semana passada, uma digressão pelo continente - que incluiu Moçambique -, durante a qual instou os países africanos a porem termo à sua neutralidade em relação à guerra contra a Ucrânia.
Moçambique tem assumido uma posição de neutralidade, apelando ao diálogo para pôr termo à guerra a partir do seu lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, um mandato de dois anos iniciado em janeiro.
À DW, Paulo Wache, professor na Universidade Joaquim Chissano, em Maputo, defende que Moçambique está a ser palco de negociações e até mesmo de influências, sobre o conflito na Ucrânia.
DW África: Como caracteriza a política externa de Moçambique, quanto à questão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia?
Paulo Wache (PW): Moçambique na sua construção vê-se como um Estado que tem que ser pró-paz e que não tem que se envolver, não se pode alinhar a nenhuma das partes beligerantes. E nós vimos, na terça-feira (23.05), esteve cá o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, e hoje está aqui o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov.
DW África: Essa postura moçambicana de neutralidade, digamos assim, já vem de longe.
PW: Desde a nossa independência, vemo-nos e sentimo-nos como moçambicanos em termos de orientação, como um país que não se devia imiscuir em assuntos militares ou dentro das alianças que possam existir no planeta.
DW África: Nas votações no Conselho de Segurança das Nações Unidas, Moçambique assumiu também uma postura de neutralidade, como aliás, a maior parte dos países de África...
PW: Quando há votações, Moçambique coloca-se como neutro, porque não pode estar em nenhum dos lados, mas pertence a parte da solução. Obviamente que as pequenas potências no sistema internacional não são fazedoras da solução, mas pelo menos podem influenciar. E estamos a ver que Moçambique e Maputo estão a ser esse palco de negociações e até mesmo de influência, porque o país está no Conselho de Segurança [como membro-não parmanente]. Um dia chegou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e no dia seguinte chegou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Significa que Moçambique passou a ser, por causa da sua neutralidade, um interlocutor válido. Se fôssemos um país que já tivesse escolhido um lado, teríamos fechado a porta do diálogo com a outra parte.
DW África: Há também laços históricos entre a antiga União Soviética e Moçambique, certo?
PW: A Rússia é um país amigo há longa data, mas a Ucrânia não deixa de ser. Também sabemos que a Ucrânia era um país da União Soviética. Então não há aqui uma possibilidade de Moçambique dizer que prefere mais a Rússia do que a Ucrânia, porque, de alguma forma, o percurso histórico da libertação de Moçambique teve um grande apoio dos países socialistas e, nessa altura, a Ucrânia também era um país socialista. Não vejo aqui grandes dilemas em termos daquilo que aconteceu em Moçambique. Eu vejo coerência, vejo precisão e continuidade.
DW África: Moçambique, que atualmente é membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU, poderia ter algum papel de mediação numa futura missão africana de mediação do conflito?
PW: As soluções estão sendo desenhadas com a proposta que a África do Sul apresentou em parceria com outros sete países, excluindo Moçambique. Mas, Moçambique tem um palco privilegiado nas Nações Unidas. Obviamente que tem um espaço para expor as suas ideias, as suas experiências e algumas delas podem ser estudadas e implementadas.
DW África: E há algum tipo de pressão por parte dos "ditos" países doadores para que Moçambique apoie a posição dos países ocidentais?
PW: Pode haver pressão em todos os lados. Moçambique tem que ter clareza da sua agenda, da sua constituição e do seu perfil. Você apenas tem que fazer uma diplomacia explicativa. Moçambique tem que se explicar aos seus parceiros, porque ele não pode ser nem pró-Rússia nem pró-Ucrânia do ponto de vista militar, mas pode ter opções, de prefirir uma proposta apresentada por um lado e não apresentada por outro. Mas não necessariamente posicionar-se a favor de A ou de B. Porém posicionar-se a favor da paz, a favor do fim do conflito.
No entanto, a pressão sempre existiu, existirá e cria sempre mal-estar e até mesmo condicionamento em termos de ajuda externa. Sabemos que Moçambique também vive de ajuda externa ao orçamento e as várias rubricas do funcionamento do Estado. Mas o prestígio de Moçambique e a coerência da política externa de Moçambique passam sim, por não alinhamento, porque é um perfil que já dura 40 anos.