Comité Olímpico reconhece falta de apoio a David Pina
6 de agosto de 2024Foi com orgulho e entusiasmo que os cabo-verdianos, no país e na diáspora, receberam a notícia da conquista da primeira medalha de sempre para Cabo Verde em Jogos Olímpicos conquistada pelo pugilista David Pina. O atleta de 27 anos conquistou, em Paris, a medalha de bronze na categoria -51 kg.
No entanto, relatos de sacrifício e falta de apoio feitos pelo pugilista não têm deixado ninguém indiferente e têm gerado debate. David Pina, que vive e treina em Portugal, não descarta deixar o boxe se não tiver melhores condições.
A DW conversou com o vice-presidente do Comite Olímpico Cabo-verdiano, Avelino Bonifácio Lopes, que reconhece que o atleta não tem "recebido o apoio que merece". Bonifácio Lopes está em Paris na qualidade de Chefe da Delegação de Cabo Verde nos Jogos Olímpicos de Paris.
DW África: Como tem visto o debate que se gerou sobre a falta de apoios ao David Pina na sequência da conquista da medalha nos Jogos Olímpicos de Paris?
Avelino Bonifácio Lopes (ABL): Passado esse frenesim inicial do debate à volta da falta do apoio, posso dizer que, de facto, o David não tem recebido o apoio que ele precisa e merece e gostaria de ter da parte do Estado de Cabo Verde e do Governo em particular, mas da parte do Comité Olímpico Cabo-verdiano nós temos feito tudo ao nosso alcance para que ele tivesse não só o apoio financeiro, também todo o apoio institucional e logístico para que pudesse participar das competições qualificativas e pudesse estar aqui com todas as condições indispensáveis para um país pequeno e pobre quanto Cabo Verde e participar e representar com dignidade o nosso país.
DW África: Como referiu, Cabo Verde é um país pequeno e com poucos recursos. No entanto, como é que olha para o apoio que o país tem dado aos atletas e aos olímpicos em particular?
ABL: O país não tem dado o que o desporto cabo-verdiano merece e precisa, sobretudo, por aquilo que tem feito. Depois da cultura, eu não tenho dúvidas, o desporto tem sido a atividade que mais tem sido o embaixador de Cabo Verde para promover o país lá fora. Portanto, os recursos que o Estado tem colocado ao serviço do desporto no geral não tem sido o suficiente e muito menos o que o desporto de facto merece.
Seja como for, nós não podemos pegar tudo e meter no mesmo saco porque, de facto, uma coisa são os recursos que o Estado coloca tanto ao serviço do desporto para financiar o desporto nacional e uma outra coisa completamente diferente é o que, por exemplo, numa missão olímpica em específico, o Comité Olímpico, no caso de Cabo Verde, coloca, ou nesta missão de Paris 2024 em particular, colocou ao serviço da delegação.
DW África: Depois da medalha conquistada por David Pina, houve quem comentasse que, havendo mais apoios, muitas outras medalhas e feitos poderiam ser conquistados. Concorda?
ABL: Obviamente que concordo. E basta ver dezenas e mais dezenas de atletas desportistas cabo-verdianos que representam cores de outras bandeiras porque Cabo Verde não lhes concede as condições minimamente necessárias. Eu entendo que nem tudo o que se reivindica o país pode, de facto, conceder a esses atletas. Nós não podemos ignorar o país que temos, mas mesmo assim acredito e estou confiante de que Cabo Verde poderia dar mais e melhor para os seus atletas e que o caso de David agora é mais um caso que irá somar a outros casos anteriores para fazer a sociedade refletir e, de certa forma, até exercer alguma pressão sobre as autoridades públicas para que passem a investir mais no desporto cabo-verdiano.
DW África: O primeiro-ministro cabo-verdiano anunciou que o Governo vai condecorar o pugilista, que irá receber 500 mil escudos (cerca de 4.534 euros) pela conquista da medalha. O que achas do valor? É justo?
ABL: Se é justo ou não, é subjetivo. Se é suficiente, claramente que não é, mas um atleta não deve ser apoiado apenas depois de conseguir uma medalha, porque só se consegue a medalha depois de conseguir uma evolução, uma prática e as condições indispensáveis para poder treinar, viver em condições minimamente suportáveis para a sua atividade desportiva e de participar nas competições para poder alcançar os resultados. Portanto, se é justo ou não, é muito subjetivo e, eventualmente, é esse o montante que o país pode atribuir.
DW África: Da sua experiência, como são os apoios aos atletas olímpicos nos PALOP? O que tem ouvido das outras delegações em Paris?
ABL: O que eu sei, porque tenho conversado com os outros chefes de delegação dos restantes países, é que a falta de recursos é uma questão recorrente e generalizada de todos os países, não apenas os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), mas os países na sua generalidade, incluindo os próprios países desenvolvidos e com muito mais recursos do que Cape Verde. Obviamente que há uns países que atribuem relativamente mais e outros relativamente menos, mas acredito que a situação é relativamente semelhante aos restantes países.
DW África: Depois desta experiência nos jogos de Paris, o que pode ser feito de diferente no futuro no que toca aos apoios e ao tratamento que é dado aos atletas?
ABL: Os atletas olímpicos são referência no desporto, mas não só para os jovens dos respetivos países. Não é por acaso que existem nos Comités Olímpicos Nacionais associações de atletas olímpicos e com assento na Comissão Executiva dos Comités Olímpicos Nacionais para, com uma ligação muito forte com as academias olímpicas, também promoverem atividades desportivas, mas também a disseminação dos valores olímpicos.
Penso que a nação cabo-verdiana, sobretudo a partir do momento em que entra no mapa como país também medalhado olímpico, pode ter os atletas olímpicos através das suas associações com uma intervenção muito mais forte, muito mais transversal, muito mais direta com a juventude e com o desporto nacional e que, sobretudo, o governo, mas também os municípios, deem maior relevância às atividades desses atletas olímpicos junto das escolas, junto das associações desportivas, para que os valores olímpicos sejam semeados e a excelência, sobretudo, possa passar a vincar-se. Portanto, esse deve ser o mote em Cabo Verde a partir do momento em que o David colocou-nos no mapa dos países medalhados olímpicos.