Camarões: "Fuga de cérebros" preocupa Paul Biya
27 de fevereiro de 2024Nos Camarões, o Governo diz que mais de 6.000 professores, médicos e enfermeiros deixaram os seus empregos na função pública nos últimos três meses. A Europa é há muito um destino para estes profissionais, mas um número crescente de pessoas está a encontrar oportunidades no Canadá, onde os esquemas de imigração favorecem os jovens migrantes.
Embora esta tendência não seja exclusiva dos Camarões - a Associação Nigeriana de Médicos Residentes revelou que 1.417 dos seus membros partiram para o Reino Unido e para os Estados Unidos só em 2023 - o impacto nos Camarões foi suficientemente grave para merecer a atenção do Presidente Paul Biya.
O Presidente, de 91 anos, que lidera os Camarões desde 1982, divulgou uma declaração lamentando o aparente desejo crescente dos jovens camaroneses de deixarem o país em busca de pastos mais verdes. Biya apelou ao sentido de patriotismo e ao dever dos jovens camaroneses de permanecerem nos Camarões, dizendo que partir não era "a solução" para os problemas do país.
Em Yaoundé, o comunicado tem sido transmitido através dos meios de comunicação social estatais desde o Dia Nacional da Juventude dos Camarões, a 11 de fevereiro. Na Escola Secundária Governamental de Nyom, a mensagem é transmitida através de altifalantes todas as manhãs.
Mas as palavras de Biya parecem cair em ouvidos moucos. Nem mesmo professores como Josian Minta, de 37 anos, estão a ouvir. Ela já tentou sair dos Camarões uma vez para a Tailândia, há dois anos. Mas foi rejeitada no aeroporto tailandês, devido a um visto inválido.
"Fomos para a Nigéria, para Abuja. Tive de enviar o meu passaporte para o Quénia. Um agente disse-me que estava tudo bem. Está tudo pronto, o teu visto está pronto", conta à DW.
"Quando fui para a Tailândia, no aeroporto, os funcionários da imigração pegaram no meu passaporte e perguntaram-me como tinha conseguido o visto".
"Resolver as causas profundas da migração"
Embora diga estar feliz por Biya ter abordado a questão, principalmente devido à sua própria má experiência ao tentar emigrar, Minta também diz que não obedecerá ao conselho do Presidente para que os jovens permaneçam nos Camarões e sirvam a sua pátria. De facto, a professora diz que vai juntar dinheiro para viajar para o Canadá, desta vez legalmente, onde acredita ter muitas oportunidades e melhores salários.
Tumenta Kennedy, uma consultora de migração internacional baseada nos Camarões, afirma que as más condições de trabalho e os baixos salários têm sido um fator de pressão importante, que não é fácil de remediar.
"Não se pode usar o apelo moral ou o patriotismo para fazer com que as pessoas fiquem. Os seres humanos são movidos pela sua dignidade e pela sua capacidade de satisfazer as suas necessidades básicas", avalia a consultora.
"Para fazer face aos movimentos em massa, é necessário envidar esforços para resolver as causas profundas da migração, como a instabilidade política, as dificuldades económicas, a falta de oportunidades de emprego e, por último, mas não menos importante, as preocupações com a segurança".
Preocupações de segurança
Os Camarões enfrentam três crises humanitárias simultâneas: no extremo norte, perto do Lago Chade, devido à presença do Boko Haram, nas regiões noroeste e sudoeste, no âmbito da crise anglófona, e a instabilidade na vizinha República Centro-Africana.
Apesar da elevada taxa de desemprego e de uma miríade de problemas nacionais, os Camarões acolhem também mais de meio milhão de refugiados e a Comissão Europeia estima que cerca de 4 milhões de pessoas nos Camarões necessitam de assistência humanitária.
A emigração continua a ser o objetivo
Angeline Fua, farmacêutica de 32 anos, diz que a vontade de deixar os Camarões aumenta de dia para dia, porque ganha cerca de 120 dólares por mês.
"Como farmacêutica, pagam-nos 80.000 francos CFA (122 euros), enquanto noutros países, como o Canadá e os Estados Unidos, ouvimos falar de pessoas que recebem 500.000 francos (765 euros) ou mais", relata à DW.
Angeline diz também que o custo de vida aumentou: "Sou mãe de família, devia tomar conta das crianças, devia pagar as propinas, tenho os meus planos, os meus projetos, mas com o que ganhamos nos Camarões, não é possível".
Segundo Tumenta Kennedy, os destinos europeus tradicionais para os jovens camaroneses fecharam as portas, enquanto outros se abriram.
"Ir para a Alemanha, para França ou para a Bélgica para estudar é um pesadelo", diz.
"Nos últimos anos, temos assistido a uma publicidade agressiva por parte do Canadá e dos Estados Unidos e isso tem sido feito através de uma abordagem muito apaziguadora. Não vemos canadianos a fazer publicidade a estudar no Canadá, mas vemos camaroneses que fizeram a sua vida, que agora abrem agências nos Camarões e que facilitam a migração legal para o Canadá", explica Kennedy, acrescentando que os "melhores cérebros" estão a deixar os Camarões.
No ano passado, os Camarões registaram um aumento de 70% no número de pessoas que se candidataram à Lotaria de Vistos de Diversidade dos EUA, também conhecida como Lotaria do Green Card. Milhares de pessoas estão também a procurar o Canadá, que tem buscado especificamente africanos francófonos para trabalharem na sua província francófona do Quebeque.
Os Camarões dizem que o país dá até quatro mil dólares e benefícios fiscais aos cidadãos que regressam e criam empresas.
Enviar dinheiro do estrangeiro
O Presidente do Quénia, William Ruto, fez uma declaração reveladora no final de 2023, afirmando que queria aumentar as remessas de dinheiro estrangeiro de quatro mil milhões para 10 mil milhões de dólares, ao conseguir que mais quenianos tivessem oportunidades de trabalho em empresas estrangeiras.
"É contraintuitivo, mas eu apoio-o. As remessas desempenham um papel vital não só para o desenvolvimento da economia, mas também para os processos de democratização que estão a ocorrer em África", afirma Kennedy.
"Quando as diásporas adquirem conhecimentos, são capazes de apoiar as suas famílias, não apenas em dinheiro, mas também em valores éticos e princípios democráticos", acrescenta Kennedy.
Este aspeto também tem sido apoiado em projetos de desenvolvimento do Ministério da Cooperação Económica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, não só nos Camarões, mas também no Gana e no Quénia, que têm diásporas consideráveis na Europa. Os membros da diáspora africana na Alemanha enviam para casa mais de 1,5 mil milhões de euros.
Embora líderes como Ruto possam ver as remessas como uma oportunidade de negócio para trazer mais dinheiro para a economia queniana, Kennedy diz que as remessas não podem ser consideradas como um substituto para a responsabilidade do Estado.
"Muitos africanos têm um cordão umbilical com as suas famílias que é mais do que apenas a elite governante que, na maioria das vezes, é corrupta. A diáspora camaronesa não quer saber de Paul Biya, não está interessada. O que lhes interessa é o sustento das suas famílias".