Cabo Delgado não passa de um cifrão para Paul Kagame?
29 de setembro de 2021Os laços de cooperação militar entre Moçambique e o Ruanda vão ganhando cada vez mais nós, que possivelmente sejam uma dor de cabeça até para um marinheiro experiente. Os acordos assinados não são do conhecimento público, o que inquieta os moçambicanos que se vêm a nora para gerir o buraco das famigeradas dívidas ocultas.
Mas há alguma obrigatoriedade de divulgar o conteúdo de acordos de interesse nacional? O especialista em Paz e Segurança, Calton Cadeado, começa por esclarecer que a lei de acesso à informação é que norteia as publicações à nação e há as que têm de passar pelo Parlamento.
Mas há uma exceção: "Só se forem coisas que têm a ver com defesa, que têm um tratamento especial, mas acordos públicos e celebração de parcerias não têm o mesmo tratamento. E penso que na lei de Defesa há também uma proteção em relação a isso, se não for por aí tudo é resto público".
Kiswahili, a língua dos segredos
O que terá sido o caso. Logo, há elementos para que os tratados se mantenham no segredo dos deuses, que comungam até da mesma língua, o Kiswahili. O fator línguistico não é marginal na relação entre Filipe Nyusi e Paul Kagame. E até tem sido fundamental na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado, um ponto a favor para os soldados ruandeses, segundo Cadeado.
"É um elemento que conta, de facto, e ao que tudo indica parece estar a ajudar no teatro de operações na comunicação entre as partes, sobretudo os comandantes que estão na zona norte que entendem a língua e entre os dois Presidentes", sublinha.
Contudo, afirma: "Também sabe-se que há muitos desafios a acontecer entre as duas partes, há muitos soldados das nossas forças armadas que não são necessariamente falantes da língua, a língua aproxima um determinado grupo, mas não aproxima a todos. Sabe-se que há muitos problemas de comunicação no teatro das operações".
Acusações contra Kagame
Porém, há quem questione a aproximação dos Presidentes, como é o caso de Kennedy Gihana, do Congresso Nacional do Ruanda, um partido da oposição que atua agora como organização da sociedade civil. O opositor que reside na África do Sul está certo de que não se trata de cooperação, mas sim de um simples negócio para Paul Kagame que só quer dinheiro.
"Kagame tem muitos mercenários, os soldados ruandeses são usados por Kagame como mercenários como lhe apetece, porque não há instituições que lhe questionem porque está a enviar tropas sem debate no Parlamento como noutros países livres", acusa.
Nyusi apenas arrastado para o "negócio"?
E Gihana acrescenta: "Não é cooperação, a França precisava de mercenários, Kagame tem-nos e o Presidente de Moçambique foi trazido ao assunto."
E o opositor Kennedy Gihana até menciona um possível destino do dinheiro: "Ele [Kagame] leva o dinheiro e coloca em paraísos fiscais como Panamá. Lemos nos jornais, penso que no ano passado, que possivelmente tenha uma conta secreta no Panamá e noutros países ocidentais".
As tropas ruandesas são a tábua de salvação para Moçambique mergulhado nas ondas do terrorismo. Contudo, o seu general Kagame é visto como diabo por uns e como anjo, por outros. Por exemplo, é acusado de ser um ditador e perseguir os seus opositores, mas também é elogiado por fazer do Ruanda uma nação próspera.
Diferencial de Kagame está na força moral
Há o risco de o lado negativo de Kagame vir a servir de exemplo para a liderança moçambicana aparentemente desnorteada?
O especialista em Paz e Segurança moçambicano começa por lembrar que "Kagame tem uma força moral que joga a seu favor, com o genocídio de 1994 há uma sensação de culpa do mundo de não ter ajudado o Ruanda a evitar o genocídio. Por causa dessa dívida moral o mundo acaba por lhe permitir alguns excessos".
E Cadeado argumenta: "Mas também o Presidente ruandês precisa agir para garantir segurança do Estado e para que não se repitam cenários iguais ou piores aos de 1994".
Para depois responder que "todos os que quiserem imitar Kagame podem sofrer desta ausência de aspeto moral que dá força ao sr. Kagame" e destacar um facto: "O Ruanda não tem uma riqueza natural que o torne altamente atrataivo às multinacionais e também de muitos Estados".