Cabo Delgado: Como travar a disseminação da insurgência?
30 de novembro de 2021Um ataque armado ao posto administrativo de Gomba, distrito de Mecula, aconteceu no fim de semana, segundo relatos partilhados nas redes sociais e também por cidadãos da província nortenha do Niassa com a DW África, em anonimato.
"Ouvi que estes atacaram a aldeia de Naulala, e isso fez com que as populações se deslocassem até à vila sede de Mecula onde estão a receber ajuda do Governo, o que é extremamente importante. Mas o distrito continua agitado porque foi um momento de terror, porque estamos a falar de deslocamentos de pessoas de todas as idades, mulheres, jovens, idosos e crianças", disse um residente.
Um silêncio que vale mais do que mil palavras
Os atacantes terão incendiado uma viatura da Reserva do Niassa, o que terá levado inclusive a instituição a dispensar temporariamente os seus funcionários, por precaução.
A DW procurou confirmar o facto junto da Reserva do Niassa, mas o seu assessor de imprensa, Valdemar Casimiro, esquivou-se a comentar, passando a "batata quente" para outrem: "Assuntos de Defesa e Segurança são tratados ao nível do Ministério da Defesa", afirmou apenas.
No Ministério da Defesa, o coronel Omar Saranga disse que só fala o que a instituição manda falar e que o seu ministério vai aguardar por uma solicitação por e-mail da DW. A polícia também não se pronunciou sobre o assunto até agora.
Dominados pelo medo
Num vídeo que circula nas redes sociais, vê-se um aglomerado de deslocados numa instituição do Governo e um dos interlocutores a contar que a casa do chefe da localidade foi queimada pelos "al-shabaabs". Aos deslocados já começa a escassear comida e alguns já iniciaram o regresso às zonas de origem, porém permanece o pânico.
"É um fenómeno que assusta os residentes da província do Niassa", lamenta um morador.
Super militarização a caminho?
As intervenções militares bem sucedidas contra a insurgência em Cabo Delgado, graças ao apoio das forças ruandesas e da SADC, ao que tudo indica vieram sufocar os insurgentes. Uma das consequências disso é a "pulverização" dos ataques para outras regiões, como a província do Niassa e até mesmo outros lugares de Cabo Delgado.
Só que os novos alvos não têm a competente defesa das forças do Ruanda e nem da SADC. Jasmin Oppermann, especialista em contrainsurgência, prevê uma "sobremilitarização", com o destacamento de tropas. "A questão é saber se haverá agora milícias e projetos comunitários para combater as atividades criminais. Tudo num ambiente desconcertante, que permite que as pessoas respondam com base em suspeitas. Mas o destacamento de tropas já está a acontecer no Niassa."
Oppermann lembra ainda que, "da perspetiva dos insurgentes, temos de ter em conta que há uma célula de recrutamento ativa há dois anos".
Niassa sempre foi vista como a província esquecida do país. É um vasto território onde a presença do Estado é mais incipiente do que nas restantes províncias. Essa é uma fragilidade que certamente está já a ser capitalizada pelos insurgentes, como alerta Opperman: "Niassa e Nampula tornaram-se uma cápsula do campo de batalha em Cabo Delgado. Os insurgentes vão aperceber-se dos benefícios que Niassa e Nampula lhes trazem e vão explorar isso cada vez mais."
Um futuro de dor para Niassa e Nampula?
"Vamos provavelmente ver insurgentes a executar ataques com mais frequência, como vimos em Cabo Delgado, em 2018 e 2019", diz Opperman.
A especialista entende que Niassa e Nampula são agora incluídos no corredor da violência e afirma: "Provavelmente também veremos estas duas áreas a serem usadas como portos seguros [pelos insurgentes], com a capacidade de contrainsurgência esticada ao limite."
Segundo Opperman, "outra barreira foi quebrada, outra fronteira foi ultrapassada: Niassa e Nampula foram arrastados para o campo de batalha, não apenas por agora, mas num futuro próximo", adivinha.
Como salvaguardar a soberania e proteger o povo nessas circunstâncias?