Investigadores criticam "secretismo" em gastos militares
10 de agosto de 2021Investigadores e analistas reunidos em Maputo esta terça-feira (10.08) foram unânimes ao declarar que não há transparência nos gastos do Estado moçambicano com o combate ao terrorismo em Cabo Delgado.
Durante o debate organizado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), especialistas manifestaram preocupação com o "secretismo" do Ministério da Defesa.
O pesquisador Aldemiro Bande entende a necessidade de confidencialidade em questões de defesa e da segurança, mas sugere que o investimento público neste setor seja alvo de controlo externo de órgãos fiscalizadores, como a Assembleia da República e o Tribunal de Contas.
"É importante para a salvaguarda da transparência aos cidadãos, que são os verdadeiros donos do que é usado para aquisição de bens e serviços militares e não-militares nos setores da defesa e segurança", lembra.
Tratados de forma diferente
Segundo informações levantadas pelo CIP, até 2020, a guerra em Cabo Delgado custou ao Estado moçambicano o equivalente a mil milhões de dólares (850 milhões de euros). Os gastos oficiais dos setores da Defesa e da Segurança e Ordem Pública triplicaram desde 2015, passando de 350 milhões para mil milhões de dólares.
Ainda segundo o CIP, neste valor não estão incluídos cerca de 180 milhões de dólares (153 milhões de euros) que se estima tenham sido gastos com a contratação de empresas militares privadas.
Aldemiro Bande acredita que o Governo usa fundos "extra orçamento" para aplicar na guerra, uma vez que o sigilo favorece a retirada de "receitas de empresas públicas, por exemplo, para financiar a aquisição de armas".
A especialista em orçamento público, Leila Constantino, diz que aparentemente os setores da Defesa e da Segurança e Ordem Pública estão a ser tratados de forma diferente dos setores económicos e sociais, "como se esse setor tivesse algum tipo de procedimento próprio que em algum momento limita a prestação de contas".
Constantino lembra que há uma lei que rege o Sistema de Administração Financeira do Estado e regula as finanças públicas. Tal lei estabelece que, "num orçamento de Estado, devem estar escritas todas as despesas a realizar em determinado ano".
Limitações legais?
O professor e especialista em Segurança de Estado, Emílio Zeca, entende que a falta de prestação de contas resulta das limitações do arcabouço jurídico do país, sobretudo da Constituição da República.
Zeca refere que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) só podem prestar contas públicas ao Parlamento moçambicano. Mesmo assim, isto ocorrerá fora de uma sessão plenária, mas por via de uma comissão de trabalho. Aos parlamentares que participassem desta comissão caberia, portanto, a difusão destas informações.
"A partir daqui surge um problema que nos amarra", ressalta.