Cabo Delgado: "Esta guerra não se faz com apelos vazios"
1 de fevereiro de 2024Na quarta-feira (31.01), terroristas atacaram a aldeia de Naminaue, no posto administrativo de Mieze, distrito de Metuge, em Cabo Delgado. A aldeia fica a apenas 28 quilómetros da capital provincial, Pemba, que entrou em alerta com os ataques.
Em entrevista à DW, o investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural (OMR), explica que os insurgentes têm tido um "comportamento ambíguo", que vai do convívio pacífico com as populações a decapitações.
Ao comentar o regresso dos insurgentes a algumas zonas de Cabo Delgado, o investigador afirma que os "apelos vazios" do Presidente Filipe Nyusi não serão suficientes para vencer a guerra contra o terrorismo no norte do país.
João Feijó defende que o "acesso a serviços como educação e saúde constituem a unidade nacional", ou seja, as populações também precisam de beneficiar das riquezas do país.
DW África: O Estado Islâmico anunciou recentemente uma "viagem de pregação" no norte de Moçambique. O que acha desta ameaça?
João Feijó (JF): Na prática, o que aconteceu é que o grupo subdividiu-se. Pequenas unidades estão a operar mais a sul da província. Há relatos de presença no posto administrativo de Mieze. Estão a operar em Metuge. Há relatos também, rumores, de que estão na zona de Mecúfi e Chiúre. Especulava-se que poderiam estar a atravessar o Rio Lúrio. Foram também vistos no distrito de Quissanga.
Ou seja, saíram das zonas onde estavam relativamente concentrados, nomeadamente em Macomia, ao longo do Rio Messalo, e vieram mais para sul, espalharam-se.
O que se tem noticiado é que têm tido comportamentos dúbios. Por um lado, falam com as populações, conversam e adquirem produtos a preços relativamente simpáticos, e fazem a sua pregação. Mas também há relatos de que fazem ataques e decapitações.
Não está claro qual é a lógica do comportamento porque, na costa, sobretudo na costa de Macomia, os relatos eram de convívio pacífico com a população.
DW África: Muitos deles fazem parte da população e estão completamente à vontade, digamos assim. Mas este também não é um fenómeno novo, pois não? Já ouvimos falar disto no passado, desta convivência pacífica e conquista da população.
JF: Claro. Este grupo só tem sucesso, só consegue estar a operar há mais de seis anos com a conivência de setores da população, de onde são originários e onde recrutam. A população é que lhes dá a primeira fonte de recrutamento, dá-lhes as informações e a logística. Permite-lhes a camuflagem, onde se escondem e guardam também equipamentos. Eles também ajudam a família e a família ajuda-os, mas claro que em segredo.
DW África: Um dos grandes objetivos parece ser recuperar a logística perdida e as rotas de abastecimento que tinham antes.
JF: Sim, sim. Isto está claro. Houve um período, quando entraram as forças internacionais, em que eles ficaram relativamente cercados ali nas matas de Macomia e o acesso à costa estava muito limitado. Os próprios tanzanianos bloquearam a fronteira com a Tanzânia. Os tanzanianos entraram via SAMIM [a Missão Militar da África Austral] e via cooperação bilateral. Então, fecharam a fronteira e a logística. Agora parece que conseguiram recuperar a logística através de relações de mercado. Portanto, vão comprar ao comércio.
DW África: O próprio Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, está ciente destes novos métodos. Apelou, há dias, para que os jovens não se juntem aos movimentos terroristas. Acha que esses apelos serão em vão, tendo em conta a realidade no terreno?
JF: Esta guerra não se faz com apelos vazios. Não é com apelos ao patriotismo, à denúncia ou à vigilância que, neste cenário estruturalmente tão complexo, se consegue o apoio da população. Enquanto não se tiver a consciência de que o país é rico em recursos naturais, mas que esses recursos não beneficiam a população; enquanto as pessoas não tiverem acesso a serviços, educação, saúde… No fundo, são esses serviços que constituem a unidade nacional.