Desigualdades entre deslocados podem atiçar conflitos?
1 de julho de 2021Num estudo publicado em abril sobre a situação dos deslocados internos em Cabo Delgado, o Centro de Integridade Pública (CIP) reportou, entre outras coisas, desigualdades entre deslocados. Enquanto, por exemplo, os de etnia Makonde recebem pensões do Estado e ainda ajuda de organizações não-governamentais ou associações, os das etnias Kimwani ou Makuas dependem unicamente das ajudas das associações e ONG.
Edson Cortez, diretor do CIP, falou à DW na altura : "O que nós constatamos é que, muito antes da eclosão do conflito, em termos de transferências do Estado para pessoas na província de Cabo Delgado, o grupo étnico Makonde tem muito mais benefícios do que os demais."
E acrescentou: "Isso não é só na província de Cabo Delgado, mas a nível de todo o país. O grupo étnico Makonde tem tendência a ter maiores privilégios porque é um grupo étnico pequeno e que tem vários antigos combatentes que, pelo estatuto, têm pensão vitalícia que passa de geração em geração", o que a seu ver "facilita o processo de readaptação a nova vida por parte dos deslocados provenientes deste grupo."
Clima de desconfiança entre deslocados
Pesquisas da sociedade civil moçambicana apontam a marginalização e a desigualdade sociais como o rastilho que fez rebentar a guerra no norte de Moçambique.
Esse modelo segregacionista, aparentemente replicado no apoio aos deslocados, não desencadeará conflitos entre as etnias já afetadas pelo terrorismo? Adriano Nuvunga, diretor da ONG Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), responde: "Claramente que isso pode resultar em mais desconfiança e, por via disso, reduzir as possibilidades de rapidamente se encontrar uma solução."
"A questão de fundo aqui é o acesso a ajuda humanitária que não está a acontecer, e as organizações internacionais têm estado a dizer que encontram dificuldades no terreno. Penso que é chegada a altura de se priorizar a assistência em situação de igualdade para todas as pessoas."
Nem todos Makondes são ricos
Estima-se que o terrorismo em Cabo Delgado tenha deslocado mais 700 mil pessoas das suas zonas de residência. A maior parte são de uma parte considerável do litoral da província, área visada pelos terroristas.
Entre as vítimas há também Makondes desfavorecidos, lembra o investigador do Observatório do Meio Rural (OMR), João Feijó, que alerta que "é preciso desmistificar um pouco esta ideia de Makondes ricos, porque nem todos os Makondes têm acesso, por exemplo, ao subsídio de antigo combatente ou licenças de exploração de recursos naturais."
O investigador explica que "a sociedade Makonde é muito heterogénea e bastante hierarquizada, nem todos têm acesso a estes recursos do Estado. Então, a situação é muito mais heterogénea do que parece."