Brasil: Cortes nas bolsas a estudantes africanos da UNILAB
12 de julho de 2017Cerca de seis anos depois de entrar em funcionamento, a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) anunciou, na semana passada, que vai deixar de conceder "bolsas" mensais aos alunos que ingressarem na universidade nos próximos semestres - com início em janeiro e julho de 2018. Os auxílios mensais têm permitido que alunos estrangeiros, maioritariamente provenientes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), estudem nesta instituição.
A UNILAB foi criada com o objetivo, tal como o nome indica, de fomentar a cooperação entre o Brasil e o continente africano ao nível do ensino superior. Um objetivo que, segundo Gerhard Seibert, professor nesta universidade, pode estar a ser posto em causa com o anúncio dos cortes que afetarão 640 estudantes estrangeiros - número correspondente às vagas que a UNILAB, localizada em Redenção, no nordeste do Brasil, disponibilizou para os vários cursos nos próximos dois semestres.
Atualmente, encontram-se matriculados em cursos de graduação na UNILAB 3613 estudantes, dos quais, avança este professor, "27%, ou seja 971 alunos, provêem "desses chamados países parceiros" - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Principe e Timor Leste – e usufruem, por isso, deste auxílio mensal, fixado em 530 reais (cerca de 140 euros).
No edital publicado pela Reitoria da Universidade, a 5 de junho de 2017, lia-se que "a oferta de bolsas de assistência estudantil depende da disponibilidade de orçamento”. Já o edital publicado na semana passada, a 5 de julho, informa que "não haverá oferta de auxílios no programa de assistência estudantil na UNILAB devido à indisponibilidade do orçamento".
Fim do projeto?
Em entrevista à DW África, Gerhard Seibert, atualmente a lecionar no campus da UNILAB na Bahia, mostrou o seu descontentamento, não só com os cortes nas bolsas, mas com o modo como o anúncio foi feito.
"A reitoria divulgou uma decisão sem qualquer discussão, não houve nenhum debate, o que é pouco comum quando se trata de uma decisão tão importante. Não houve nenhuma tentativa de procurar alternativas perante estes problemas orçamentais", como, por exemplo, "ir buscar financiamento de outra maneira ou baixar o número dos auxílios disponíveis", sugere.
Para Gerhard Seibert, com este "corte radical, é muito pouco provável" que os estudantes se continuem a candidatar. O que, lembra o professor, pode pôr em causa o projeto UNILAB, que tinha como base a "integração Brasil-África, ou seja, a internacionalização da universidade". "A comunidade sabe e sente que esta decisão pode ser o início do fim do projeto da UNILAB que muitos professores e muitos estudantes defendem", explica.
Por seu lado, Anastácio de Queiroz, reitor da UNILAB, explica que, face ao défice existente nas contas da universidade, não houve alternativa: "Em 2016, o orçamento foi de 8,5 milhões, mas como entraram mais estudantes, houve um gasto a mais de 1,6 milhões. Acontece que, em 2017, o défice previsto é de 5,5 milhões de reais (cerca de 1,3 milhões de euros)". Por isso, a reitoria da universidade entendeu que a partir do próximo ano não poderá "autorizar novas entradas", segundo Anastácio de Queiroz. Os alunos que vêm em Agosto, ressalva, ainda receberão apoio.
"A minha preocupação é com o estudante. Não podemos fazer o estudante vir e não poder pagar a bolsa, seria uma situação muito mais grave",acrescenta.
De acordo com o reitor, a decisão de atribuir estas bolsas "nunca foi autorizada pelo Ministério, nem pelo Governo Federal. Foi uma decisão da reitoria [da altura], mas sem orçamento". "Este projeto [UNILAB] foi criado, mas o presidente Lula da Silva nunca colocou a questão do orçamento. O orçamento da UNILAB é feito igual ao das outras universidades só que esta universidade dá bolsas. Uma decisão que foi tomada pela reitoria, não pelo Governo. Então temos que negociar a nível de Governo como vai ser feito, o facto é que não podemos oferecer bolsas sem ter dinheiro”.
Anastácio de Queiroz acrescenta ainda que, na sua opinião, também os países parceiros poderiam ajudar os estudantes, já que a universidade é gratuita e tem outras vantagens, como o custo da alimentação, por exemplo. "Tem que haver uma discussão ao nível do Governo Federal e ao nível dos governos parceiros. Não está nas mãos na Unilab alterar o orçamento", dá conta.
Reitor "negoceia" saída
O reitor nega que a comunidade académica não tenha sido informada da decisão, mas confirma que existe descontentamento com esta medida e dá conta da sua decisão de abandonar o cargo de reitor, depois de um protesto de alunos que decorreu na passada semana. "Eu sou um reitor pro tempore (...) vim aqui para ajudar mas não vou ficar mais na universidade. Vou negociar a minha saída com o Ministério porque eu temo pela minha vida pela violência que ocorreu na última sexta-feira. Ninguém pediu para conversar comigo. (...). Eu não ficarei nesta universidade nem mais quatro meses", afirmou.
Ainda assim, afirma que tudo fará para o projeto ter continuidade. "Enquanto estiver aqui vou trabalhar para que esta universidade continue com a cooperação. Entendo que é um momento difícil, mas é um momento que será equacionado se todos trabalharmos e não apenas tentando culpar o reitor, porque o reitor não tem a capacidade de alterar orçamento", conclui.
O responsável adianta ainda que, numa reunião no Ministério da Educação, que decorreu no final do mês passado, lhe foi transmitida a informação de que "não existe possibilidade de aumentar o orçamento para essa assistência estudantil". Neste sentido, acrescenta, tem "muitas dúvidas que a Universidade vá ter dinheiro para honrar até ao final. Estamos trabalhando como se o dinheiro chegasse para todos".
Os cortes anunciados pela UNILAB referem-se apenas aos futuros estudantes, estando os auxílios mensais garantidos aos estudantes que já se encontram a estudar no Brasil.
Numa nota publicada esta terça-feira (11.07) no seu site, a Reitoria acrescenta ainda estar "aberta ao diálogo", informando que vão ser agendadas reuniões com estudantes, técnicos e professores num processo que culminará com uma reunião extraordinária do Conselho Universitário na próxima sexta-feira (14.07).