Botche Candé: o "eterno super-ministro" da Guiné-Bissau
22 de junho de 2022Quem é o líder do Partido dos Trabalhadores da Guiné (PTG)? Com 61 anos de idade, e sem formação académica, o antigo comerciante e atual ministro de Estado e do Interior da Guiné-Bissau, Botche Candé, almeja o cargo de primeiro-ministro.
Botche Candé, provavelmente é um dos políticos que mais bem encarna a estratégia de afirmação do homem político guineense, baseada na luta pelo poder.
Foi braço-direito de todos os Presidentes desde que a Guiné-Bissau entrou na era multipartidária. Trabalhou com Nino Vieira, Kumba Yalá, Malam Bacai Sanhá, Raimundo Pereira, José Mário Vaz e agora com Umaro Sissoco Embaló.
Em muitos casos serviu como um "bombeiro para salvar" os chefes de Estado, quando estes andam de costas voltadas com os seus aliados políticos. Atualmente é o homem forte de Sissoco Embaló.
Perfil de político guineense
O sociólogo guineense, Rui Jorge Semedo, entende que Botche representa o perfil do homem político guineense, porque segundo explica "ele sabe lidar com o poder, sabe lidar com o chefe e se coloca à disposição do chefe para prestar todos os serviços sem nunca descordar do chefe", indica o académico.
Tal permite a Botche "construir uma relação de confiança com o chefe", disse Rui Semedo.
Nunca foi primeiro-ministro, mas sempre teve um peso excecional na orientação das estratégias políticas de quase todos os Governos com que trabalhou como ministro.
Muda-se o Governo e o regime, mas Botche Candé mantém-se sempre. O que ele tem especial na política guineense?
Rui Jorge Semedo observa que "Botche tem um capital político, quer queiramos ou não", acrescentando que ele é grante de "um eleitorado fixo, com uma concentração mais visível no leste do país, concretamente em Bafatá. Mas também um pouco por todo o país, ele construiu uma simpatia visível com os eleitores", sublinha.
Mas como conseguiu ter a massa eleitoral se a sua atuação como governante é sempre criticada?
O académico Rui Semedo defende que o que importa para a grande maioria das pessoas não é a questão dos direitos humanos ou da liberdade de imprensa e de expressão.
"O que importa, sobretudo para massa com o qual o Botche se relaciona, é a manutenção da fidelidade. Quando precisarem de um apoio, que o Botche esteja presente para dar uma mãozinha, ajudar com a comida ou dinheiro", considera Semedo.
"Leão de Leste" controla a "selva"
Diz-se em Bissau que o partido que não tiver o "Leão de Leste", como é vulgarmente apelidado, do seu lado nas campanhas eleitorais, tem sempre pouca chance de ganhar as eleições, sejam elas presidenciais ou mesmo legislativas.
Por isso, Bocthe Candé já serviu quase todos os principais partidos políticos da Guiné-Bissau.
Foi alto dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), depois do Partido da Renovação Social (PRS) e também pelo Movimento para Alternância Democrática (MADEM-G15). São as três forças políticas que sempre governaram o país e de maior expressão parlamentar.
Agora, Candé decidiu pela primeira vez fundar o seu próprio partido, com o qual pretende chegar à chefia do Governo nas próximas eleições legislativas marcadas para 18 de dezembro deste ano.
O Sociólogo Rui Semedo não afasta a hipótese do partido fundado por Candé vencer, as próximas legislativas, mas há já uma certeza: "estou convicto de que o PTG terá lugares no Parlamento, na décima primeira legislatura".
De lutador profissional a super ministro
Candé é um antigo lutador profissional, que não fez sequer o ensino primário, secundário ou universitário.
O analista político Rui Jorge Semedo lembra que não é só Botche Candé que desempenha altas funções, sem formação técnico-profissional no país.
Acrescenta no entanto, que atualmente, na Guiné-Bissau não precisa de se ter formação profissional para ser ministro, basta construir a sua base eleitoral e influenciar o circulo político.
Rui Semedo lamenta que haja no país dirigentes políticos que se "arrogam de serem doutores ou algo que não são".
"O Estado guineense está a ser construído à base deinverdades”, lamenta.
O académico termina afirmando que a Guiné-Bissau vive "uma apocrisia, da falsidade ideológica, da falta de verdade. Então o Botche é o reflexo da sociedade que temos".
A Guiné-Bissau tem atualmente legalizados mais de 50 partidos, numa população de 1,8 milhões de habitantes.