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O conflito esquecido de Casamansa

João Carlos (Lisboa) 20 de setembro de 2016

O conflito de Casamansa, na fronteira entre o Senegal e Guiné-Bissau, caiu no esquecimento. Pesquisadores guineenses sugerem que Bissau retome o papel de mediador depois de ultrapassada a crise política na Guiné.

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Forças de Defesa e Segurança do Senegal na região de CasamansaFoto: AFP/Getty Images

O conflito armado de Casamansa, no sul do Senegal, persiste e não deve ser ignorado, diz Antonieta Rosa Gomes.

O diferendo entre o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC) e as forças governamentais senegalesas perdura há 34 anos. Apesar de serem considerados de baixa intensidade, os confrontos têm causado mortes, adianta a investigadora guineense.

"É evidente que há efeitos transfronteiriços tanto para a Guiné-Bissau como para a Gâmbia", afirma. "Esse conflito tem tido muitas incidências no território guineense e é caso também para a Guiné-Bissau efetivamente zelar pela problemática, ou seja, envolver-se na sua solução".

Antonieta Rosa defendeu, na segunda-feira (19.09), a sua tese de doutoramento em Estudos Africanos sobre o papel mediador da "Guiné-Bissau no processo de resolução do conflito de Casamansa", no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.

Interesse no conflito

Antonieta Gomes, que já exerceu os cargos de ministra dos Negócios Estrangeiros e da Justiça do seu país, recorda que a Guiné-Bissau foi nomeada em 1991 pelas partes como mediador: "O MFDC e o Governo senegalês confiaram-lhe esse papel, o que significa que é uma terceira parte que, à partida, deve ter um papel de facilitar as partes e propor também soluções que visem a paz. E, após o conflito político-militar na Guiné-Bissau de 1998/99, o país deixou de fazer parte da terceira parte na resolução do conflito".

A ex-candidata às eleições presidenciais guineenses considera fundamental promover a paz para evitar os incidentes transfronteiriços. Segundo Antonieta Gomes, depois da morte do Presidente João Bernardo "Nino" Vieira, a situação na região não fez parte da agenda principal do chefe de Estado, Malam Bacai Sanhá, porque o contexto político não era propício a isso.

Portugal Antonieta Rosa Gomes in Lissabon
Antonieta Rosa Gomes, pesquisadora guineenseFoto: DW/J. Carlos

Gomes explica que "tanto o Senegal esteve implicado, com a intervenção estrangeira, na Guiné-Bissau do lado das forças governamentais, assim como uma parte da ala do MFDC que estava a apoiar a Junta Militar. Daí, havia interesses no próprio conflito da Guiné-Bissau e logo após esse período não havia ambiente para o país assumir o protagonismo de mediador no processo de paz".

Resolução do conflito não mereceu atenção de Bissau

A Guiné-Bissau pautou pelo reatamento das relações político-diplomáticas com o Senegal, privilegiando o reforço da cooperação na área da defesa, mas a resolução do conflito fronteiriço não mereceu tanta atenção por parte das autoridades guineenses, refere a investigadora. Isso prejudicou o processo de paz, marcado por uma certa ambiguidade.

A região de Casamansa, rica em vários recursos naturais, entre os quais a terra, pescado e hidrocarbonetos, é considerada uma importante fonte de rendimento para o Senegal. Daí que, sublinha Antonieta Gomes, não há nenhum interesse do Governo senegalês que Casamansa seja independente, como reivindica o MFDC.
Na opinião do pesquisador Saico Djibril Baldé, ligado ao Instituto de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau, "há falta de boa vontade de todas as partes" para a resolução do conflito:

"Claramente, a Guiné-Bissau não esteve com boa vontade nisto. Só quem não quer é que não vê. O nosso conflito político-militar surgiu daí - é resultado desta ambiguidade: o interesse direto quer do Presidente 'Nino' Vieira e do seu ex-chefe de Estado Maior, brigadeiro Ansumane Mané - quando se zangaram, obviamente houve o nosso conflito. Os dois estiveram envolvidos no tráfico de armamento. Quem trafica armamento para um conflito de um país vizinho não age de boa-fé".

Responsabilidades de Bissau

Portugal Saico Djibril Baldé in Lissabon
Saico Djibril Baldé, pesquisador guineenseFoto: DW/J. Carlos

Saico Djibril Baldé, que viveu há alguns anos na região de Casamansa, fala de interesses e jogo de influência envolvendo todas as partes, o que fará arrastar o conflito por mais tempo.

Por isso, ele sugere que "é preciso encarar o problema de frente e não uma negociação sem cedência. Se a parte que reivindica quer apenas a independência, não quer ceder a nada, assim é difícil. Se o poder central senegalês não quiser abdicar de nada, não quiser dar a autonomia, não quiser acautelar as reivindicações daquelas populações, também não vamos chegar a lado nenhum."

Quanto ao papel do seu país, Baldé conclui: "A Guiné-Bissau é parte interessada, principalmente [para] que haja boa vizinhança e que haja a tal livre circulação. Só assim se pode resolver o problema. E aí a Guiné-Bissau tem que deixar essa ambiguidade e assumir a neutralidade para ajudar a resolver o assunto que é seu também".

Segundo Antonieta Gomes, os atuais governantes guineenses estão hoje numa melhor posição de isenção para assumir o protagonismo de mediadores do processo de paz em Casamansa, uma vez que esse estatuto nunca foi retirado ao país.

Mas, "antes é necessário que a Guiné-Bissau tenha um ambiente de estabilidade para que efetivamente se possa debruçar e assumir protagonismo nos processos de paz de Casamansa", exorta a académica guineense.

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