Benefícios a multinacionais prejudicam países africanos
17 de maio de 2016Os nomes de cidadãos africanos que surgem nos Panama Papers, uma das maiores fugas de informação relativamente à existência de empresas em paraísos fiscais, envolvendo grandes nomes da política e economia internacionais, não para de aumentar.
Recentemente, nomes como o do sobrinho de Jacob Zuma, Presidente da África do Sul, do irmão gémeo de Joseph Kabila, Presidente da República Democrática do Congo, ou de José Maria Botelho de Vasconcelos, o ministro angolano dos Petróleos, foram adicionados à lista de envolvidos.
Uma pesquisa conduzida pela Organização Não Governamental (ONG) ActionAid, do Reino Unido, revelou que apenas 15% da fuga fiscal que acontece em vários países africanos pode ser ligada a corrupção.
Os benefícios fiscais dados às grandes empresas internacionais são responsáveis por 60% do dinheiro que não chega a entrar nos cofres dos Estados. Por isso, a ONG lançou uma campanha contra a evasão fiscal, defendendo um sistema financeiro mais justo para todos os cidadãos.
Os países africanos perdem cerca de 43 mil milhões de euros com a evasão fiscal, de acordo com dados da União Africana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita que este montante atinge os 175 mil milhões de euros, um montante três vezes superior àquele que é dado a estes países em ajudas para o desenvolvimento.
“Por cada dólar que recebemos [de ajudas ao desenvolvimento], perdemos três [com a evasão fiscal]”, afirma Stella Agara, uma queniana que está a divulgar a campanha da ActionAid, à DW.
Agara acredita que este dinheiro poderia ser utilizado em infraestruturas, educação e saúde. “Se conseguíssemos reaver este dinheiro, ninguém iria precisar de dar ajudas para o desenvolvimento para África”, afirma.
À custa dos mais pobres
A evasão fiscal é, muitas vezes, feita de forma legal. Empresas multinacionais declaram os lucros das suas filiais em países onde pagam menos impostos. Empresas como a Deloitte, uma consultora financeira, são especializadas em encontrar falhas nos sistemas financeiros que beneficiem os seus clientes.
Numa conferência na China, em 2013, Stella Agara disse aos participantes que os representantes da Deloitte tinham dado a mais de 80 empresas a oportunidade de evitar os impostos em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo. Cerca de 50% da população moçambicana vive abaixo do limiar da pobreza e a esperança média de vida é de 49 anos.
Tal como foi descoberto nos Panama Papers, a empresa Mossack & Fonseca aconselhou a empresa britânica Heritage Oil a registar o seu negócio nas Ilhas Maurícias, depois de lhe ter sido pedido que pagasse os impostos sobre a compra de uma exploração de petróleo no Uganda.
“Eles conseguiram não pagar 400 milhões de dólares [350 milhões de euros] em impostos. Este montante é muito superior ao orçamento para a saúde no Uganda”, acrescenta Agara. “Se este dinheiro tivesse sido usado na saúde, uma boa parte da população iria beneficiar de cuidados de saúde gratuitos, como os cidadãos na Dinamarca ou no Reino Unido”, explica.
Tirando a uns para dar a outros
As empresas internacionais beneficiam com esta fuga aos impostos desde a época colonial. Em acordos bilaterais relativamente ao pagamento de impostos assinados com outros países, alguns Estados africanos abdicam do seu direito aos impostos, capital, dividendos, direitos autorais e interesses, de acordo com a ActionAid.
O dinheiro destas empresas circula há décadas sem pagar impostos, entre os países mais pobres e as nações mais industrializadas. De acordo com a ActionAid, empresas em Itália, no Reino Unido e na Alemanha têm sido bastante beneficiadas por estas práticas.Em 2014, o Uganda assinou um acordo com a Holanda para cobrar os impostos a empresas sediadas no país europeu. Dez anos depois, apenas metade dos investimentos estrangeiros feitos no lado holandês foi declarada, pelo menos no papel. Esta foi uma tremenda perda de dinheiro para os cofres do Estado ugandês, mas uma grande poupança para as empresas holandesas.
Estes acordos fiscais são feitos de forma voluntária, mas os países africanos estão normalmente debaixo de grande pressão, de acordo com a ativista queniana. “Algumas destas multinacionais, como a Amazon ou a Google, têm mais recursos do que muitos países africanos têm previsto nos seus Orçamentos do Estado”, afirma Agara.
A ativista diz ainda que estas “multinacionais estão envolvidas em atividades pouco claras, como subornos para beneficiar quem cria este tipo de políticas” para que aceitem as suas condições.
Stella Agara diz que muitas destas empresas prometem criar mais postos de trabalho, mas ao mesmo tempo pedem benefícios fiscais ou ameaçam levar os seus negócios para outros país, com condições mais favoráveis para os investidores. “Muitos destes governos vergam-se perante a pressão destas multinacionais”, afirma Agara.
O exemplo do Ruanda
Michaela Ungerer, conselheira no programa financeiro africano do Instituto Alemão para o Desenvolvimento Internacional e Cooperação (IADIC) diz que este tipo de acordos fiscais é injusto, porque muitos oficiais fiscais têm pouca formação.
Muitos países africanos têm poucos recursos financeiros e também não têm funcionários bem formados ou com experiência em lidar com questões de fiscalidade internacional.
“É importante formar funcionários mais competentes nestes países, para que eles estejam numa melhor posição para negociar este tipo de acordos, para que possam ajudar no desenvolvimento dos seus país”, afirmou Ungerer, em entrevista à DW.
O IADIC, em cooperação com a Associação da Gestão Financeira em África (AGFA), está a formar e a aconselhar os funcionários fiscais dos países africanos, para que possam criar sistemas fiscais mais eficientes.
O Ruanda é um caso de sucesso. Em 2013, o país renegociou os seus acordos com as Ilhas Maurícias, de modo a conseguir reclamar o seu direito aos impostos de empresas sediadas nas Ilhas, de acordo com ActionAid.
Agora, outros países, como a Nigéria, o Malawi, a África do Sul e a Zâmbia estão a seguir-lhe os passos e já cancelaram os seus acordos fiscais ou estão em processo de renegociação.