Aumentam os protestos contra o Ocidente na Etiópia
2 de junho de 2021Milhares de etíopes saíram à rua, no último fim de semana, para protestar contra as sanções anunciadas pelos EUA. A administração de Joe Biden vai impor restrições de visto a responsáveis da Etiópia, acusados por Washington de não terem tomado "medidas significativas para pôr fim às hostilidades" na região de Tigray.
Adnech Abebe, presidente da Câmara de Addis Abeba, contesta a medida. "A América e os seus aliados, sem compreenderem a situação, decidiram interferir nos nossos assuntos internos impondo sanções de viagem e pré-requisitos que não podem de forma alguma ser aceites. Deveriam parar e pensar bem sobre esta questão para a corrigir", afirma.
Os etíopes, na sua maioria jovens, manifestaram-se em várias cidades da Etiópia, mas também em Roma, na Itália, cidade que acolhe grande número de etíopes. Criticaram duramente o Presidente norte-americano, Joe Biden, e exibiram cartazes com frases de elogios ao líder russo Vladimir Putin, ao Presidente turco Recep Erdogan e ao líder chinês Xi Jinping.
"Somos um país soberano"
"Sou contra a ideia de países estrangeiros que tentam interferir nos nossos assuntos internos e tomar conta de nós. Somos um país soberano. Como país soberano, o nosso povo e o nosso governo decidem pelo nosso país", diz Abera Tesfaye, um dos manifestantes.
Worku Yakub, professor de antropologia social na Universidade de Wachemo, no sudoeste da Etiópia, está contra a posição destes manifestantes. "Os cartazes dos líderes desses países, por exemplo a Rússia e a China, na minha opinião, são contraproducentes. Não é inteligente tentar colocar estes países num cenário de concorrência."
No entanto, acrescenta, "o que precisamos de compreender é que estes cartazes que foram exibido são a posição de apenas alguns indivíduos. Não reflete a opinião da maioria dos etíopes."
Os protestos foram convocados oficialmente pela organização juvenil do Partido da Prosperidade do primeiro-ministro etíope, Abie Ahmed, no poder.
Restrições em grande escala
Os Estados Unidos preveem também restrições "em grande escala" em matéria de assistência económica à Etiópia, sem prejuízo da manutenção da ajuda humanitária nas áreas da saúde, da alimentação e da educação.
Washington condenou ainda "matanças, deslocamentos forçados, violência sexual sistemática e violações e abusos dos direitos humanos" na Etiópia. Medidas que não agradam a Mulu Solomon, embaixadora da Etiópia em Berlim, na Alemanha, que criticou a decisão dos Estados Unidos.
"A Etiópia atribui grande importância à extraordinária e comprovada relação com os Estados Unidos, mas é lamentável que o Governo dos EUA tenha tomado esta decisão como certa e não tenha tomado em consideração a nossa relação de um século. O governo etíope acredita que não deve ser pressionado", declarou Mulu Solomon.
Em declarações à DW, Yelekal Getnet, dirigente do Partido Democrático da Etiópia, na oposição, diz que o Governo deveria preocupar-se em resolver o conflito que assola a região de Tigray e parar de queixar-se da ingerência estrangeira.
Yelekal acusa o Governo de tentar afastar o país do Ocidente: "Ele (Abyi Ahmed) tentou mudar o foco da cooperação do país para a Rússia, Turquia e China, mas não creio que esta seja uma estratégia sensata para o nosso país e para os interesses da nossa região."
Violações dos direitos humanos em Tigray
O conflito na região do Tigray começou em novembro de 2020, depois de o Governo da Etiópia ter lançado uma ofensiva militar contra a Frente Popular de Libertação do Tigray (FPLT) como retaliação a um ataque anterior destas forças a uma base do exército federal.
Desde então, as organizações de defesa dos direitos humanos têm denunciado saques e violações contra a população local cometidos por todas as partes, especialmente pelas forças eritreias destacadas para a região em apoio ao exército da Etiópia.
Perante os relatos de atrocidades cometidas contra civis, a comunidade internacional fez vários apelos ao Governo etíope, nos últimos meses, e a União Europeia suspendeu, em janeiro, o apoio orçamental ao país, de 88 milhões de euros, até ser garantido o acesso de organizações humanitárias à região de Tigray, algo que as autoridades etíopes têm impedido.
Desde o início do conflito no Tigray, mais de dois milhões de pessoas foram deslocadas à força dentro da região e pelo menos 75 mil fugiram para o vizinho Sudão, de acordo com números oficiais.