"Ataques expõem a fragilidade do Estado Moçambicano"
21 de dezembro de 2017Ataques de desconhecidos em Mocímboa da Praia, norte de Moçambique, prosseguem sem que medidas a altura sejam tomadas.
O incidente mais recente resultou em feridos e na morte do diretor Nacional de Reconhecimento da Unidade de Intervenção Rápida da polícia, que foi morto a tiros pelos atacantes no domingo passado, dia 17 de dezembro. Há ainda relatos frequentes de confrontos armados pouco noticiados.
Para o sociólogo moçambicano Elísio Macamo, estes ataques mostram a "fragilidade do Estado moçambicano" e que as autoridades não fazem ideia do que se está a passar naquela localidade.
Em entrevista à DW África, Macamo também comentou o silencia do Governo de Moçambique em relação aos ataques. Confira a íntegra da entrevista:
DW África: Acha que o caso está a ser tratado com a devida firmeza?
Elísio Macamo (EM): Eu não diria firmeza. Procuraria saber se as autoridades dispõem de conhecimento suficiente para saberem para lidar com a situação. Até este momento, não há de facto nenhuma ideia clara sobre a natureza dessa violência. Quando isso aconteceu pela primeira vez, recentemente em outubro, as pessoas levantavam a hipótese de se tratar de extremismo islâmico – uma hipótese que vem mais tarde a ser invalidada. Há rumores de que isto tem a ver com coisas ligadas ao contrabando, pois a zona é muito propensa a isso aí. Portanto, é bom não esquecer que essa violência não começa realmente hoje. Por exemplo, já em 2014, quando houve as eleições municipais, os ânimos estavam tão levantados lá em Mocímboa da Praia que descambaram também em violência. É isso que ninguém sabe ao certo, muito menos as próprias autoridades. Portanto, não é uma questão de firmeza, neste momento; é uma questão de saber o que se está a passar. Parece que ninguém sabe.
DW África: A ser verdade, seria um pouco caricato, não é? Porque esses ataques já estão a acontecer há algum tempo, e põem em causa as instituições do Estado, porque são ataques repetidos...
EM: Isso é verdade. No fundo, o que isso mostra é a fragilidade do Estado moçambicano, que é uma fragilidade típica de todos os Estados que se encontram na situação do nosso país. É um Estado que ainda está em processo de formação, de consolidação, e que, portanto, é muito vulnerável a este tipo de problemas. Aliás, não devemos esquecer que neste momento todo o país está refém de um indivíduo, o líder do partido da oposição [RENAMO]. E isso é mais uma manifestação ou, se calhar, a maior ilustração da fragilidade do Estado moçambicano.
DW África: Recentemente, a Polícia da República convidou os atacantes a entregarem-se. Dada a gravidade da situação, acha que este tipo de apelos são válidos?
EM: Achei isto muito caricato, devo dizer. E achei que aquilo fosse uma manifestação da perplexidade da própria polícia. Provavelmente a polícia tem a ideia de que se trata de alguns indivíduos, e que com alguns gestos estes indivíduos vão ser trazidos à razão. A forma como os ataques mais recentes – nesses em que foi morto o chefe dessa Unidade de Reconhecimento – dá para perceber que foi uma operação muito bem preparada. E quando a vítima dessa operação é o chefe da Unidade de Reconhecimento da Polícia de Moçambique, dá para imaginar a gravidade da situação e a natureza formidável do indivíduo que se tem pela frente. Portanto, acho que o comandante geral também não deve estar muito bem informado sobre a situação. Aquele apelo dele ou foi para acalmar um bocado a população, porque ele falava num comício com a população; ou então tem mesmo um sinal de que ele não tem consciência do problema que tem em mãos, e isso é grave.
DW África: O Governo fala muito pouco sobre estes ataques. Será esta atitude uma estratégia, ou não está a ser dada a real importância à situação em Mocímboa da Praia?
EM: É um pouco complicado. Por um lado, o Governo moçambicano não tem o hábito de informar as pessoas sobre o que se passa. Isso é uma coisa que já de há muito tempo. Esse respeito pelas pessoas que eles representam não existe no nosso país. É por isso que o nosso chefe de Estado pode se permitir fazer negociações com um foragido e não ver nenhuma necessidade de falar com as pessoas no país para dizer o que ele, de facto, está a negociar com esse indivíduo. Por outro lado, há de facto esta questão de um Estado que está ainda em formação, infelizmente. Então, com toda essa vulnerabilidade que o Estado tem, as autoridades não percebem o que se está a passar e não sabem o que informar. O que eles vão dizer ao público? Sujeita-se um pouco ao ridículo ao que se sujeitou o comandante geral da polícia, ao fazer uma demonstração de força que ele, aparentemente, não tem.