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CriminalidadeMoçambique

Ataques a carros: "Incapacidade de diálogo" agrava problema

Delfim Anacleto
7 de março de 2023

Continua a onda de assaltos e o incêndio de viaturas com matrícula moçambicana na África do Sul. Face à incapacidade dos governos em resolver o problema, os cidadãos "fazem justiça pelas próprias mãos", diz investigador.

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Foto ilustrativa: Fronteira de Ressano Garcia, entre Moçambique e a África do Sul
Foto: Silva Romeu/DW

A Federação Moçambicana dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO) anunciou esta terça-feira (07.03) que suspendeu o transporte de passageiros entre Maputo e Durban, na África do Sul.

Ao longo do trajeto tem havido uma onda de ataques a viaturas com matrícula moçambicana, supostamente em protesto contra roubos de carros na África do Sul. Na semana passada, mais viaturas moçambicanas foram incendiadas. Depois, uma viatura sul-africana também foi vandalizada no distrito de Matutuine, província de Maputo. 

O ministro dos Transportes moçambicano, Mateus Magala, disse que poderá ter sido retaliação.

Em entrevista à DW, o diretor do Centro de Jornalismo Investigativo de Moçambique, Luís Nhachote, admite que o ministro pode ter razão, mas não descarta a hipótese de oportunismo.

Luis Filipe Nhachote Africaleaks
Luis Nhachote: "Estamos à beira de um precipício. Os cidadãos estão a fazer justiça pelas próprias mãos"Foto: Luis Nhachote

Por outro lado, Nhachote critica a incapacidade dos Governos sul-africano e moçambicano em resolver a situação. 

Há muitos anos que há roubo de carros na África do Sul e, apesar de se terem destacado mais meios para combater os criminosos, o problema não tem fim à vista. Nhachote e outros investigadores dizem que isso terá a ver com a corrupção endémica em Moçambique - alguns agentes das forças de segurança moçambicanas serão alegadamente cúmplices dos criminosos.

A polícia na província de Maputo anunciou, entretanto, que está no encalço dos protagonistas do ataque em Matutuine.

DW África: Como avalia o facto de uma viatura sul-africana ter sido vandalizada no distrito de Matutuine, província de Maputo?

Luis Nhachote (LN): Não é nada saudável. É o reflexo da incapacidade de diálogo de ambos os países. Tem sido comum que se reportem assaltos por parte de cidadãos moçambicanos, de roubos - sobretudo de viaturas - em território sul-africano, e é dito que essas viaturas vêm parar a território moçambicano. No distrito de Chókwè, província de Gaza, no sul de Moçambique, a gente vê muitas viaturas grandes com matrícula sul-africana a circular, carros de luxo, carros de alta cilindrada, e as autoridades sul-africanas queixam-se que muitas dessas viaturas foram roubadas em território sul-africano. E os grandes barões de Chókwè andam impunemente com essas viaturas, apesar das queixas dos sul-africanos. Isso deve-se a um problema, que é endémico, aqui em Moçambique, que é a corrupção. Mas a suposta retaliação por parte dos sul-africanos também reflete uma certa ignorância. Antes eram apenas viaturas com matrícula moçambicana, que eram queimadas em território sul-africano, agora parece haver ações de retaliação também do lado moçambicano.

DW África: Não estaremos aqui perante um problema que poderá vir a ganhar outros contornos?

Ataque a viatura sul-africana em Moçambique é "retaliação"?

LN: Nós estamos à beira de um precipício. Os cidadãos estão a fazer justiça pelas próprias mãos e, sendo assim, o resultado só pode ser catastrófico. Os governos já estiveram reunidos, o Ministério do Interior moçambicano esteve reunido com as autoridades sul-africanas. Normalmente, depois dessas reuniões, é dito que a situação já está resolvida, mas nada fica resolvido, na realidade. Esse cenário continua sempre a acontecer.

Ontem apareceu o senhor ministro dos Transportes, Mateus Magala, a falar em público sobre o ataque. Eu acho que ele não é a pessoa indicada, pois trata-se de uma questão de segurança pública e não de uma questão que tem a ver com os transportes. Quem se deveria ter dirigido ontem aos moçambicanos era a ministra do Interior [Arsénia Massingue], pois é ela a figura que zela pela ordem e segurança em Moçambique. Porque é que saiu a público o ministro dos Transporte e Comunicações? Acho que as figuras políticas devem falar em função dos cargos que ocupam e em função dos momentos e daquilo pelo qual são responsáveis.

DW África: Tratando-se de uma retaliação, seria essa uma ação de desespero perante a incapacidade do governo atuar?

LN: Acredito que podem ser atos de oportunismo, perpetrados por marginais. Sempre que há momentos de tensão surge sempre gente oportunista que se aproveita do momento para praticar o vandalismo.

DW África: E como resolver isso?

LN: É preciso que a presença do Estado se faça sentir. Nós temos uma polícia que colocou e aumentou as patrulhas nas ruas de Maputo, mas quem se desloca alguns quilómetros fora da grande cidade de Maputo, é muito provável que ande 50 ou 60 quilómetros sem ver nenhuma autoridade. Portanto, é necessário que os cidadãos sintam que as autoridades estão presentes.

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