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Aposta de Moçambique no gás natural "é um erro"

André Crujo
12 de novembro de 2021

Diretora da ONG Justiça Ambiental diz que Moçambique "está a cometer o mesmo erro" dos países do norte e pede o fim da exploração do gás natural. Ambientalista entende que energias verdes são o futuro.

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Foto: ENI East

Em Glasgow, na Escócia, a COP26 deveria terminar esta sexta-feira (12.11). Mas o presidente da cimeira do clima da ONU, Alok Sharma, anunciou que os trabalhos vão continuar durante a noite. 

Continua a não haver um acordo entre os países participantes quanto às conclusões do encontro. Temas como o abandono dos combustíveis fósseis, o chamado "mercado de emissões" e o financiamento de medidas para a proteção do clima dividem os delegados.

Durante a cimeira, que começou a 31 de outubro, o primeiro-ministro moçambicano, Carlos Agostinho do Rosário, discursou acerca das pretensões do país de transitar para fontes de energia limpas. Mas, em entrevista à DW África, Anabela Lemos, diretora da organização não-governamental Justiça Ambiental, denuncia a vontade do Governo de continuar a explorar o gás natural.

DW África: O primeiro-ministro Carlos Agostinho do Rosário disse na COP26 que Moçambique pretende transitar das energias fósseis para energias limpas. Ainda assim, continua em cima da mesa o projeto do gás natural. Há uma discrepância entre o discurso do primeiro-ministro e as metas climáticas?

Anabela Lemos (AL): Há uma narrativa que diz que o gás é o combustível de transição, mas não é. O último relatório do IPCC (do inglês, Intergovernmental Panel on Climate Change) é claro: têm que se parar as emissões de metano que o gás emite e não só o dióxido de carbono. Por isso, dizer que o gás é uma energia de transição é um erro gravíssimo. O próprio discurso do primeiro-ministro foi uma contradição, pois disse que ia usar o gás e que Moçambique tinha o direito de explorar o gás. Isto não é uma questão de direito.

Schottland Glasgow | COP26 | Aktivisten verkleidet als Politiker
Protestos na cidade de Glasgow, na Escócia, contra os combustíveis fósseisFoto: Ben Stansall/AFP/Getty Images

DW África: No início do mês, a organização "Friends of the Earth" opôs-se a um financiamento à exploração de gás natural em Moçambique. É, portanto, isto que também pedem?

AL: Sim, nós somos parceiros da "Friends of the Earth" e trabalhamos em conjunto, porque isto não é uma luta local, é uma luta a nível global. Todos os movimentos e a sociedade geral, que vê como as pessoas estão a viver em Moçambique, sabe que a única solução é parar, e nós estamos com eles. Estamos nesta luta para parar o gás, o carvão e o petróleo. Se não tomamos a decisão de parar, nunca vamos parar. Nós teríamos todas as oportunidades para ter essa transição energética e justa para sistemas renováveis de solar e de vento, porque aqui em Moçambique não nos falta isso. Para que é que estamos a fazer o mesmo erro que o norte fez? Ainda por cima nós já estamos a ter impactos...

DW África: Diria que este dinheiro seria mais bem investido em energias verdes?

AL: Sim, sem dúvida. E justas. Nós temos também de pensar na questão da justiça energética, porque os pobres continuam sem energia. Em Moçambique estamos com défice enorme de energia para o povo. Então, devemos pensar em sistemas descentralizados, localizados, porque a energia ajuda o desenvolvimento em todos os aspetos. Mas não precisamos de óleo e gás para dar energia ao povo.

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DW África: Qual diria ser o balanço das reuniões da COP26 para Moçambique?

AL: Não vejo nenhum avanço nas reuniões porque a posição da Justiça Ambiental é clara. Nós não estamos numa situação a nível mundial para explorar gás ou carvão, e é o que nós estamos a fazer, o que é errado. E também não podemos pensar na neutralidade carbónica. O que nós temos de parar é as emissões. Porque isto quer dizer que as companhias de combustíveis fósseis podem continuar a poluir e depois fazer um pagamento para proteger uma floresta para captar essas emissões, que eles estão a provocar. Parece que todo o interesse que existe nesta COP é de continuar e arranjar soluções para fazer negócios e explorar os combustíveis fósseis.

DW África: Moçambique é um exemplo de um país africano que já sofreu com as alterações climáticas, com os ciclones Idai e Kenneth, em 2019. Considera que há uma maior responsabilidade por parte dos países mais ricos na redução de emissões?

AL: A responsabilidade maior é dos países mais ricos, sim. Mas os países mais pobres não podem cair no mesmo erro. E nós estamos a cair. Estamos a olhar como um direito que temos para explorar o gás e o carvão, quando é completamente ridículo falar de um direito que nos pôs na situação em que estamos hoje. Devemos ser mais inteligentes, mais sábios, para olhar para o futuro num sistema diferente, um sistema mais justo. Os países do norte sabem muito bem porque é que estão nesta luta, eles sabem que são os causadores e acham que a solução é parar. Os países do sul não foram os causadores da crise. Então, que se pague essa dívida do norte para o sul, para os países se desenvolverem sem ser preciso explorar gás, carvão e óleo.

DW África: Numa entrevista à OE Digital, a empresa petrolífera Eni disse que este tipo de projetos fazem a estrada para a transformação do país. O que acha destas afirmações?

AL: É completamente ridículo um discurso desses, na realidade atual que nós vivemos. Acho que os discursos que as companhias de combustíveis fósseis fazem servem para iludir aqueles que são ignorantes. E Moçambique não vai ganhar nada. Mesmo com a exploração de gás, os contratos que têm sido feitos e as isenções, acho que num futuro próximo o país não vai ganhar absolutamente nada com o gás. Tudo o que nós ganhámos com o gás foi tirar a terra aos camponeses, tirar o acesso ao mar, pô-los mais pobres, tirar-lhes todos os seus direitos e agora a guerra.

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