Salários na função pública cada vez mais empobrecidos?
19 de janeiro de 2024O executivo angolano anunciou na última quarta-feira (17.01) um aumento salarial na função pública na ordem de 5 porcento. O anúncio surge num momento em que as três principais centrais sindicais do país ameaçam avançar com uma paralisação geral caso não seja atendida a exigência de reajuste salarial na ordem dos 250 porcento.
Ademar Jinguma, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Professores Angolanos (SINPROF), classifica de uma 'migalha' a decisão do Governo.
Em entrevista à DW, o dirigente sindical adverte o executivo de João Lourenço a apresentar uma proposta melhor. “Se não o fizer, nós não vamos recuar”, afirma Jinguma.
DW África: Como é que o Sindicato Nacional dos Professores Angolanos (SINPROF) reage ao aumento de 5 por cento anunciado pelo Governo?
Ademar Jinguma (AJ): Reagimos com tristeza porque este aumento é insignificante, não resolve o problema dos trabalhadores que vêm perdendo o seu poder de compra todos os anos. Todos os dias quando vamos às compras, nos mercados, nas superfícies comerciais deparámo-nos com a subida exponencial dos preços dos produtos. Para um governo que estima a sua inflação a andar à volta dos 15 porcento este ano e faz um reajuste na ordem dos 5 porcento só pode ser um insulto aos sofredores trabalhadores angolanos.
DW África: Está a querer dizer que este aumento de 5 por cento não corresponde às vossas expectativas?
AJ: Estes 5 porcento estão muito aquém da expectativa. Aliás, o próprio Governo que fez esse reajuste sabe que os nossos salários estão cada vez mais empobrecidos. Desde 2014, que temos uma inflação acumulada muito grande e o governo não tem feito atualizações salariais anuais no limite da inflação. Aliás, nem no limite da inflação nem nada.
Portanto, para quem já leva muito tempo sem reajustar o salário dos trabalhadores fazer um reajuste na ordem dos 5 porcento só pode ser um insulto aos trabalhadores.
DW África: Consta que as três centrais sindicais angolanas anunciaram uma greve para finais de janeiro. Com este anúncio do Governo de aumento de cerca de 5 por cento, a greve continua ainda nos vossos planos, ou poderá haver um espaço de negociação antes da greve?
AJ: Basta olhar para o sentimento dos trabalhadores depois deste anúncio é um sentimento de revolta. Se dependesse só dos trabalhadores a greve seria hoje. O caderno reivindicativo é do dia 5 de setembro de 2023. Portanto, o cenário de uma greve geral é cada vez mais evidente, mas tudo isso depende do governo. A bola está do lado do Governo.
DW África: O que é que o Governo angolano deve fazer para evitar que haja essa paralisação geral que está a ser preparada pelos trabalhadores e respectivas centrais sindicais?
AJ: Ao Governo cabe flexibilizar as suas posições. Nós estamos conscientes que o país vive dificuldades, mas também quando um país compra dois carros topo da gama para um deputado cujo valor global daria para pagar salários a um professor licenciado durante 74 anos, estamos a falar de toda a sua vida de trabalho e mais alguns anos de reforma é porque afinal de contas, o país tem dinheiro com a diferença de que alguns apertam os cintos e outros não.
Há trabalhadores que já não têm o que comer e, portanto, a função do Governo é resolver os problemas do povo. Os trabalhadores são os contribuintes, são aqueles que trabalham para desenvolver este país. O Governo tem que apresentar uma proposta melhor. Se não o fizer, nós não vamos recuar.