Angola regressa à calma após um morto e 292 detenções em manifestação
"Queremos os ossos para os enterrar! (…) Zedú chega já" foram algumas das palavras de ordem que se escutaram, em Luanda, na manifestação de sábado (23.11). Os manifestantes referiam-se aos alegados assassinatos dos ex-militares Isaías Cassule e Alves Kamulingue, desaparecidos desde maio de 2012.
Apesar de proibida pelo Ministério do Interior, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) avançou com a manifestação em várias províncias do país. A iniciativa do maior partido da oposição angolana ocorre na sequência do comunicado da Procuradoria-Geral da República, divulgado a 13 de novembro, sobre quatro detenções relacionadas com o rapto e presumível homicídio dos ativistas.
Em todas as províncias angolanas, segundo dados recolhidos pela DW África, a polícia foi implacável contra os manifestantes. As direções provinciais da UNITA do Bié, Bengo, Benguela, Cabinda, Cunene, Kuando Kubango e do Namibe foram invadidas e cercadas por agentes policiais.
A polícia deteve alguns dos responsáveis do maior partido da oposição antes mesmo de terem saído às ruas. Há ainda relatos de desaparecidos em Luanda, como é o caso do jovem Adolfo Campos, membro do Movimento Revolucionário Angolano.
Apesar das evidências, polícia nega uso de força
Na capital, efetivos da Polícia Nacional, apoiados por helicópteros da Força Aérea Nacional, são acusados de terem feito vários disparos à queima-roupa atingindo dois manifestantes.
Manuel de Carvalho "Ganga", militante da ala juvenil da Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE ), terceira maior força da oposição, foi morto a tiro à queima-roupa por um militar da Unidade de Guarda Presidencial. Na província de Benguela, a Polícia de Intervenção Rápida (PIR) terá alvejado quatro militantes da UNITA defronte a sede provincial do partido.
A polícia confirmou a detenção de 292 pessoas, entretanto libertadas, em várias províncias de Angola. Entre eles, o secretário-geral da CASA-CE e deputado na Assembleia Nacional, Lionel Gomes, esteve detido juntamente com outros membros da direcção do partido.
Aristófanes dos Santos, porta-voz da Polícia Nacional, justificou as detenções: "enquanto força responsável pela garantia da ordem, no plano interno, não se pode permitir que reine o caos e que se instale a desordem. O que nós fizemos e de forma moderada, devidamente ponderada, pois em nenhuma circunstância usámos excessivamente força, foi conter os ânimos e impedir que a manifestação se realizasse. O próprio ministro do Interior disse de viva voz, ao vice-presidente da UNITA, que não se pode fazer [a manifestação] por motivos de segurança".
No entanto, Kalucossa, de 67 anos, participou no protesto e descreve outra versão do que acinteceu em Luanda. "Fui agredido por participar numa manifestação que visa discutir os nossos direitos e defender as nossas vidas. Eu também gostaría saber por que é que nós estamos a ser castigados se esta manifestação é pacífica, ninguém levou qualquer garrafa ou faca", conta.
Os manifestantes que clamavam pacificamente foram surpreendidos pelos agentes de segurança que lançaram gás lacrimogéneo, deixando várias pessoas inanimadas, nomeadamente moradores e vendedores do bairro e mercado adjacentes ao local da manifestação.
UNITA cancela protesto
O ativista cívico Nito Alves, que esteve detido durante dois meses por imprimir t-shirts com palavras pouco abonatórias contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, também participou no protesto.
"Sou apologista de que o povo deve sair à rua para pedir as ossadas de Isaías e Kamulingue e apelo à juventude angolana: devemos estar unidos para derrubar o regime ditatorial", afirmou Nito Alves.
Os manifestantes que enfrentavam a polícia, fortemente armada, só acalmaram os ânimos quando o líder da UNITA decidiu cancelar o protesto. Isaías Samakuva justificou o cancelamento por considerar que a polícia estava preparada para atirar contra os manifestantes.
Também o líder da UNITA foi também alvo da brutalidade da PIR. Várias granadas de gás lacrimogéneo e canhões de água foram lançados contra o local em que se encontrava Isaías Samakuva na companhia de dirigentes do Bloco Democrático (BD) e do Partido de Renovação Social (PRS).
Oposição repudia polícia
Em Luanda, Agostinho Kamuango, porta-voz da JURA, braço juvenil UNITA, repudiou a atitude da polícia: "a JURA reafirma o seu engajamento nas lutas revolucionárias e lança um repto aos caudilhos do MPLA e à sua polícia: cuidado com estas atitudes! A paz custou sacrifícios, verteu o sangue dos melhores filhos desta pátria, e não seria bom se deitássemos tudo por terra. Porém se o MPLA persistir a manipular as instituições do Estado e continuar a fazer o uso abusivo da força, tal como fez em 1975, em 1977 aquando do 27 de Maio, em 1992 e 1993, nós não temos outro caminho senão aceitar o sacrifício".
Tendo em conta a repressão policial e numa altura que a situação começava a perder o controlo, em Benguela, o deputado da UNITA Alberto Francisco Ngalanela apelou à calma: "queremos pedir a todos os presentes para não provocarem a polícia porque a polícia é apenas um instrumento que cumpre orientações daquela pessoa que não quer a paz. O nosso problema é José Eduardo dos Santos".
Para Eliseu Ferraz, membro do Movimento Revolucionário, o cancelamento da manifestação foi um "momento triste porque os atos que a polícia perpetrou demonstram insegurança". "Temos fé que vamos continuar a lutar contra o regime ditatorial de José Eduardo dos Santos", acrescenta o ativista.
Até ao momento, as autoridades governamentais ainda não se pronunciaram sobre os incidentes registados.