Angola regista recuos na liberdade de imprensa
3 de maio de 2016Para assinalar o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, o MISA- Angola - organização de defesa da liberdade de imprensa, realizou, esta segunda-feira (02.05), na Mediateca de Luanda, uma conferência.
Na ocasião, Mário Paiva, um dos decanos do jornalismo angolano, presente no ato constitutivo da declaração de Windhoek (declaração que promove a independência e pluralismo dos media assinado em 1991) disse que a liberdade de imprensa em Angola tem registado recuos, mesmo 25 anos após a data. “Por um conjunto de fatores de ordem política, económica e social, temos assistido a um retrocesso", explicou Paiva.
"A transição democrática, em alguns países, não chegou a ser consumada e Angola é um desses países. No domínio político, a própria Constituição da República de Angola consagrou um regime em que há uma excessiva concentração de poderes. Não há um equilíbrio entre o executivo, judicial e o legislativo”, explica o jornalista.
O último relatório dos Repórteres Sem Fronteiras, publicado no dia 20 de abril, coloca Angola na posição 123, no que toca a liberdade de imprensa, num total de 180 países.
Regular a internet?
A limitação deste e de outros bens constitucionalmente consagrados forçam os cidadãos a utilizarem as redes sociais como o Facebook e WhatsApp para exercerem os seus direitos, segundo o jornalista Rafael Marques.
"Há jovens que dizem que falar no WhatsApp não adienta de nada, que se deve falar na rua, mas isto é um processo evolutivo. Fecharam os meios de comunicação social, e agora o pessoal fala no Facebook e no WhatsApp. O Presidente angolano quer agora regular a internet", lamenta o ativista, explicando que "existem duas comissões que estão a estudar este problema, de modo a que os cidadãos não tenham espaço para se exprimirem livremente”.
Existe "uma arma apontada" à "liberdade de imprensa"
Em recente entrevista exclusiva à DW África, o secretário de Estado dos Direitos Humanos, António Bento Bembe, tinha garantido que não havia limitação no exercício das liberdades em Angola.
No entanto, Tomás de Melo, antigo jornalista da Rádio Ecclesia, alerta para os perigos que a imprensa enfrenta através de uma metáfora: “A liberdade de imprensa está apontada com uma arma. É como se a liberdade de imprensa fosse uma cabeça que está com uma arma apontada a ela. É este o estado da liberdade de imprensa em Angola. Deveríamos atribuir uma outra palavra que não fosse a liberdade de imprensa porque liberdade de imprensa é algo que não existe".
Fernando Macedo jurista e antigo Presidente da associação cívica AJPD (Associação Justiça, Paz e Democracia) afirma, sem qualquer dúvida, que existe uma ditadura em Angola. "Alguns cientistas dizem que aquilo que nós temos é uma ditadura neopatrimonialista. Isto é uma ditadura na qual, quem exerce o poder, apropria-se dos bens do Estado e distribui-os como se de propriedade privada se tratasse e distribui os bens de maneira a comprar as pessoas e condicionar a sua ação”, explica Macedo.
Novo relatório sobre os media angolanos
Na conferência desta segunda-feira (02.05) promovida pelo MISA-Angola, foi apresentado um relatório sobre os media angolanos.
O documento, segundo Alexandre Neto, responsável do órgão, espelha o nível de discrepância dos órgãos de comunicação no tratamento dos atores sociais: “O nosso relatório é essencialmente estatístico. Durante um período de tempo analisámos e recolhemos cerca de 90 noticiários, isto equivale, mais ou menos a três meses de auscultação. Posteriormente, transcrevemos os "leads" e procurámos captar a ideia do que a notícia transmitia aos ouvintes. Foi encontrada uma discrepância entre os atores que existem na sociedade”.