Angola: Pedido de absolvição para Norberto Garcia contestado
10 de abril de 2019O Ministério Público pediu, esta segunda-feira (08.04), a absolvição de Norberto Garcia, antigo diretor da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), que está a ser julgado no caso da "Burla Tailandesa".
Mas, ouvido pela DW África, Evaristo Maneco, do corpo de defesa do antigo porta-voz do MPLA, lembra que para a efetivação do pedido, é necessário que saia ainda a posição do Tribunal. "Esta foi uma decisão do Ministério Público, dono da acusação. Caberá ao juiz, ou melhor, ao Tribunal, decidir. Ainda não foi decidido nada, mas é um meio caminho andado", diz.
Incapacidade de reunir provas
Já na opinião de Albano Pedro, a posição da justiça angolana tem enquadramento legal. O analista explica: "O Ministério Público usou uma faculdade que a lei permite que é a de pedir absolvição do réu por um argumento ligado à incapacidade de reunir provas suficientes para que este seja efetivamente culpabilizado ou responsabilizado criminalmente". No entanto, o pedido está a gerar polémica na sociedade angolana.
Na sessão desta segunda-feira (08.04), o Ministério Público frisou que o também antigo porta-voz do MPLA procedeu a todos os mecanismos junto da Unidade de Informação Financeira (UIF), do Banco Nacional de Angola (BNA) e do Banco de Negócios Internacional (BNI) para informações sobre a validade do cheque e que, todavia, as respostas "não foram satisfatórias". Referiu ainda que os réus tailandeses conseguiram o visto de trabalho, sem a intervenção da UTIP.
Ou seja, concluiu o Ministério Público, "dos factos, não foram descortinados elementos integradores nos crimes" que pesam sobre Norberto Garcia, pelo que pede a sua absolvição.
Ouvida a argumentação deste órgão judicial, há uma questão que se impõe: porque é que só agora é que o Ministério Público retirou a acusação, depois de um longo período de instrução processual?
O jurista Albano Pedro classifica o caso como "curioso e estranho". "É que ao longo da instrução do processo, o Ministério Público podia ter desistido da acusação se chegasse à conclusão de que não havia provas suficientes para fazê-lo. Entretanto, fez a acusação. Quando o Ministério Público acusa, significa que foram formadas provas suficientes para se proceder à acusação, e tendo provas suficientes, é muito estranho que, depois da acusação com provas formadas, venha solicitar a absolvição".
Para o jurista, das duas uma: ou a justiça teve "dificuldades em apurar a verdade" ou houve "ordens superiores" que ditaram a ilibação, o que, acrescenta, "põe em causa a idoneidade do Ministério Público em instruir processos".
"Significa que tem dificuldades de apurar a veracidade dos meios de prova, mesmo quando chega à conclusão que elas existem. [Também] pode passar a ideia de que o Ministério Público enquanto órgão hierarquizado ficou dependente de orientações superiores", diz.
Não é caso isolado
Em menos de um mês, este é o segundo caso que coloca em cheque a credibilidade da justiça angolana. Em março, a Procuradoria-Geral da República colocou em liberdade o empresário suíço-angolano Jean Claude-Bastos de Morais, implicado no caso Fundo Soberano de Angola.
André Kivuandinga, jornalista angolano, diz que a justiça continua com a sua velha prática: "prender para investigar”. "Esta situação de primeiro se prenderem as pessoas e depois se fazer uma investigação é que tem manchado o sistema de justiça angolano e [também] mancha a imagem e o bom nome da pessoa".
Segundo o jornalista, estas posições do Ministério Público podem também comprometer o sucesso do combate à corrupção e impunidade, o "cavalo de batalha” do Presidente angolano João Lourenço. E o jornalista vai mais longe: "acho que essa é uma luta que ele próprio sai a perder. Temos que nos lembrar que João Lourenço está no MPLA há muitos anos, então, se o próprio partido foi alimentado por corrupção, é porque ele também se beneficiou desta corrupção".
O esquema que envolve Norberto Garcia foi revelado em 2017, quando supostos investidores tailandeses, com cumplicidade de cidadãos nacionais, tentaram burlar o Estado angolano com um cheque de 50 mil milhões de dólares. Na altura, o Tribunal Supremo aplicou a medida de coação de prisão preventiva a uns e o termo de identidade e residência a Norberto Garcia. No total, este caso conta com dez réus, entre eles, angolanos, tailandeses, um canadiano e um eritreu.