Covid-19: Oito infetados em media públicos angolanos
16 de julho de 2020A pandemia de Covid-19 deixou desprotegidos muitos trabalhadores dos meios de comunicação social. Todos os dias, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) recebe relatos de ameaças de despedimento, conta o secretário-geral, Teixeira Cândido.
Em entrevista à DW África, Teixeira Cândido tece críticas aos meios de comunicação que não providenciam as devidas condições de trabalho face aos riscos a que os profissionais estão expostos em tempos de Covid-19.
Muitos profissionais dos media estão ainda sujeitos a serem dispensados. Só o grupo Média Nova - que detém o Jornal O País, a Rádio Mais, a TV Zimbo e a Gráfica Distribuidora - dispensou 30 funcionários enquanto vigorava o regime de estado de emergência no país.
Alegando "despedimento ilegal", jornalistas dispensados avançaram com uma ação judicial contra o grupo privado angolano. Esta quinta-feira (16.07) acontece a primeira audiência de conciliação obrigatória em tribunal.
DW África: Respondeu a algumas publicações online que avançam que oito profissionais da comunicação social em Angola foram diagnosticados com o novo coronavírus. De onde vem esta informação?
Teixeira Cândido (TC): É uma informação verídica. Infelizmente, a par dos profissionais médicos, os jornalistas são aqueles que mais expostos estão [à Covid-19]. E obviamente que as condições de trabalho, as condições de proteção dos profissionais que estão expostos à pandemia nem sempre são as melhores. Até porque às vezes frequentam ambientes que têm pessoas infetadas porque têm de estar lá in loco, por exemplo a constatar as condições dos lugares criados de propósito para cuidar das pessoas infetadas.
DW África: Desses oito profissionais de comunicação social infetados, [o Sindicato de Jornalistas] sabe de que províncias são?
TC: Nesta altura são todos de Luanda. E são todos de órgãos de comunicação social públicos.
DW África: Que condições de trabalho de proteção contra a Covid-19 entende que deveriam estar a ser cumpridas e não estão?
TC: Uma das questões mais preocupantes tem que ver com um conjunto de profissionais utilizarem as mesmas viaturas para, por exemplo, se deslocarem aos mais variados lugares de reportagem. Profissionais que vivem em zonas distantes e que não partilham os mesmo espaços.
Segundo, tem a ver com os próprios meios que os colegas podem utilizar. Não há distribuição de álcool gel. Os profissionais têm esses meios quando estão dentro das próprias instalações [do órgão de comunicação], mas quando saem para reportagem não levam consigo meios e muitos deles têm que adquirir as suas próprias máscaras e muitos deles não têm seque luvas. Claro que há sempre exceção. Há um ou outro órgão de comunicação social que conseguiu, de facto, prover esses meios. Mas a grande maioria não, principalmente no interior do país, porque Luanda é uma coisa à parte do resto do país. No resto do país a situação é, de certo modo, crítica.
É verdade também que não há ainda relatos de haverem muitos casos de contágio nas outras províncias com a exceção de Kwanza Norte, mas de todo o modo a prevenção é sempre recomendada, ainda que não hajam informações de contágio ou de pessoas infetadas.
DW África: Como analisa os despedimentos alegadamente ilegais do grupo Média Nova, cujos jornalistas dispensados avançaram com uma ação judicial contra o grupo?
TC: A Média Nova invocou dificuldades financeiras. Mas para o sindicato e para os trabalhadores [isso] não é aceitável. Não é que a empresa não tenha dificuldades financeiras, mas entendemos que foi precipitado uma vez que não esgotou todos os esforços. Por um lado, preferiu despedir, ou pelo menos suspender vínculos daqueles que menos ganham quando, por exemplo, conseguem manter vínculos daqueles que mais ganham salário. Portanto, o sindicato e os trabalhadores entenderam que não faz sentido a decisão e não se justifica. E, por conta disso, recorreu-se.
Por outro lado, como sabem, durante a vigência do estado de emergência as empresas, quer públicas quer privadas, estavam proibidas de rescindir contrato com os seus trabalhadores. Ficaram ainda, desde 11 de maio até ao final do estado de emergência, proibidas de suspender os vínculos. E os vínculos dos trabalhadores [da Média Nova] foram suspensos precisamente no dia 15, quer dizer, onze dias depois do Estado proibir a suspensão.
Há tmabém, desde março, um despacho da ministra da Administração, que impõe às empresas o pagamento de salários mesmo que suspendam os vínculos. Infelizmente, a Média Nova não cumpriu com nenhuma dessas normas. Foi por conta disso que os trabalhadores, através do Sindicato dos Jornalistas angolano, intentaram uma ação junto do tribunal para reivindicar a reintegração.
DW África: O sindicato tem conhecimento de outros casos de despedimentos no setor dos media em tempos de Covid-19?
TC: Sim, de facto, temos. São reclamações permanentes que nós vamos notando. Todos os dias nos chegam relatos de ameaças de despedimento. Como sabem, o sindicato no dia 20 liderou um processo que visou escrever para a Presidência da República no sentido de estender a sua mão, tal como acontece nas outras realidades. Os órgãos de comunicação social que vivem exclusivamente da publicidade não têm podido ter publicidade, porque não há empresas a publicitarem. Por disso as empresas estão com dificuldades imensas. Dia 20 nós escrevemos esse documento ao Sr. Presidente da República a dar conta disso. Até porque é de lei porque a lei de imprensa impõe que o Estado deve criar um conjunto de incentivos, que nunca foram criados, há 30 anos.
DW África: Tem conhecimento de casos de pressão a jornalistas para exercerem o seu trabalho sem condições de segurança?
TC: Felizmente digo não, não há. Porque há, de facto, também um sentimento de um dever que os próprios profissionais carregam consigo. De modo que tendem a tentar ultrapassar os obstáculos que se lhes põem e exercer a atividade ainda que as condições não sejam as melhores.