Angola: Jurista diz que atrasos descredibilizam Justiça
18 de outubro de 2021O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) de Portugal desbloqueou uma conta bancária de Tchizé dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos. Para o juiz Ivo Rosa, conhecido pelos chamados "mega-processos" na Justiça portuguesa, o levantamento da medida deve-se à ultrapassagem dos prazos de inquérito e à ausência de provas que fundamentem as suspeitas quanto à origem ilícita dos fundos.
A conta tinha sido bloqueada em agosto de 2020 por suspeita de que Tchizé dos Santos estaria a usar o sistema português para camuflar uma eventual origem ilícita de verbas, tendo em conta a proveniência da transferência, uma conta na Suíça, e o desconhecimento da fonte prévia dos fundos.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde, comentador do portal angolano Maka Angola, aponta que a decisão do juiz de desbloquear a conta bancária da filha do antigo Presidente de Angola está tecnicamente fundamentada na lei portuguesa.
DW África: O que acha desta decisão do juiz Ivo Rosa?
Rui Verde (RV): As decisões do juiz Ivo Rosa, na minha opinião, são sempre bastante rigorosas em termos de Direito. Ele é um juiz que olha com atenção para os processos e pondera as coisas. Neste caso concreto, ele entendeu que o Ministério Público (MP), durante o tempo em que teve a conta de Tchizé dos Santos congelada, não trouxe nada de novo para o processo e como tal ele tinha de desbloquear as contas. Em termos técnicos, parece-me uma decisão acertada.
DW África: O juiz sustenta que as suspeitas iniciais sobre a origem ilícita dos montantes em causa "radicam no facto de a visada ser filha do ex-Presidente de Angola, na opacidade do sistema financeiro suíço e no desconhecimento da origem dos fundos". Mas salienta que "nenhuma investigação foi levada a cabo, junto das autoridades de Angola ou junto da visada, com vista a recolher elementos relativos à origem dos fundos movimentados da Suíça para Portugal". Como se justifica esta ausência de investigação?
RV: Não tem sentido congelar-se contas e depois não haver resultados nem positivos, nem negativos, de uma investigação ou, aparentemente, não haver investigação. Isto acaba por descredibilizar as investigações aos casos de corrupção e branqueamento de capitais. Houve aqui, talvez, uma falha do MP português, mas não conheço os detalhes. Esta decisão nem absolve, nem inocenta Tchizé dos Santos. É uma decisão técnica e está correta. Não havendo investigação, não se pode manter as pessoas penduradas.
DW África: Vê aqui um sinal de "arrefecimento" desta parceria entre as autoridades angolanas e portuguesas na ofensiva contra a corrupção?
RV: De maneira nenhuma. Não se pode ler como um arrefecimento. Há muitas investigações em curso e como tal algumas avançam mais depressa, como acredito que seja aquela relativa a Isabel dos Santos. Outras foram ficando para trás, como esta de Tchizé dos Santos. Não dou interpretações políticas a esta decisão. Como temos visto noutros processos, o juiz Ivo Rosa não é muito político, portanto não me parece que se possa fazer essa ilação.
DW África: Ficarão por aqui as investigações a Tchizé dos Santos?
RV: Creio que não. Acredito que estas investigações à família de José Eduardo dos Santos são em espiral, ou seja, vão e vêm e vão-se aprofundado. É possível que ela surja noutro caso qualquer. Isto é obviamente um sinal vermelho do juiz ao MP e talvez obrigue o MP português a agir. Isto é um ato que visa espicaçar o MP.
DW África: Vários comentários na nossa página do Facebook apontam para um "efeito José Eduardo dos Santos em Angola", referindo-se ao regresso do pai de Tchizé, em setembro, e a um alegado "trabalho em silêncio" do ex-Presidente. Há aqui alguma ligação ou é apenas uma teoria da conspiração?
RV: As teorias da conspiração em Angola neste momento são o principal tema. Não me parece que José Eduardo dos Santos tenha neste momento qualquer influência sobre a Justiça portuguesa, sobretudo em Ivo Rosa. Não, não acho que haja qualquer ligação.