Angola: Fundo Soberano usado para enriquecimento ilícito
7 de novembro de 2017"Ser apaixonado por África é acreditar em África, é entender África". Esta é a frase na página inicial do empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais na internet. A relação do empresário com o continente africano, em especial com o Fundo Soberano de Angola, foi exposta esta semana por meio da publicação dos Paradise Papers.
Segundo informação veiculada pelo jornal suíço Le Matin Dimanche, a partir de documentos divulgados pelos Paradise Papers, Jean-Claude Bastos de Morais está a enriquecer ilicitamente através da gestão do Fundo Soberano de Angola, do qual é sócio junto com o filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, o José Filomeno dos Santos (Zenú), de quem o empresário é amigo.
A empresa Quantum Global, de Bastos de Morais, é a gestora dos investimentos angolanos. A reportagem do jornal suíço afirma que dos cerca de cinco mil milhões de euros do fundo angolano, pelo menos três mil milhões foram direcionados para sete fundos de investimentos sediados nas Ilhas Maurícias.
"Ligações perigosas"
De acordo com o jornalista e economista angolano Carlos Rosado de Carvalho, o valor gerido pela Quantum Global é ainda maior. Em 2016, este montante terá chegado a 85% dos ativos do fundo. Rosado de Carvalho explica que "o Fundo está fora da lei porque tem um gestor que gere 85% dos seus ativos, quando o seu próprio regulamento diz que um gestor não pode gerir mais do que 30%".Outra questão levantada pelo economista é o processo de contratação da Quantum Global. "Não se sabe exatamente como foi. Mas há aqui ligações perigosas entre o presidente do fundo e o gestor Jean-Claude Bastos de Morais. Há uma promiscuidade, porque há uma relação de parceria e, portanto, não se questiona porque ele foi contratado".
Jean-Claude Bastos de Morais, em 2011, antes de assumir a gestão do Fundo Soberano de Angola, foi condenado por crimes económicos na Suíça, facto que, segundo o vice-presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Raúl Danda, deveria desqualificar o empresário para a gestão dos recursos angolanos.
"Isso é uma promiscuidade que não tem nome. Se alguém está metido em situações de violação da lei em qualquer sítio, e neste caso no país onde ele tem nacionalidade, não se podia de facto confiar um bom quinhão do dinheiro do país a essa pessoa. Denota grande falta de transparência nesta gestão".
Honorários superfaturados e conflitos de interesse
Além disso, pelo serviço de gestão, a Quantum Global recebe do Fundo Soberano de Angola entre 2% a 2,5% do capital por ano, o que desde 2015 equivale a quase 70 milhões de dólares anuais. Em 2014, a empresa de Jean-Claude Bastos de Morais, embolsou aproximadamente 120 milhões de dólares.
Para Carlos Rosado de Carvalho, "os honorários que são pagos a Quantum Global fogem um bocadinho à caixa". "Dou um exemplo: o fundo do Timor-Leste, que detém a volta dos 16 mil milhões de dólares, anualmente gasta com gestores a volta dos 15 milhões de dólares. Embora os fundos sejam diferentes, não faz muito sentido que o Fundo Soberano de Angola, que é três vezes mais pequeno que o Fundo de Timor-Leste, gaste três vezes mais, ou mais que isso, em comissões de gestão", afirma.
O jornal suíço Le Matin Dimanche também destaca os investimentos feitos pela Quantum Global em Angola, como a construção de uma torre comercial em Luanda – que até agora só existe no papel –, a construção de um porto de águas profundas na província de Cabinda e a construção de um hotel. Tudo isto terá sido financiado com dinheiro do Fundo Soberano de Angola. E as empresas responsáveis pela execução destes projetos também pertencem a Jean-Claude Bastos de Morais.
Enriquecimento ilícito
O jornalista e ativista angolano Rafael Marques diz que a parceria entre o empresário suíço-angolano e José Filomeno dos Santos no Fundo Soberano só serve para o enriquecimento de ambos.
"O senhor Jean-Claude Bastos de Morais é um grande vigarista, e com o filho do ex-presidente José Eduardo dos Santos estão pilhar os fundos que foram acometidos ao fundo soberano de angola e que pertencem a todo povo angolano. Mas isso só foi permitido do porque são esquemas criados pelo próprio ex-Presidente para o enriquecimento da sua família. Ele passou a tratar as riquezas do país como se fossem propriedade privada".
Rafael Marques espera uma ação do Presidente João Lourenço, com quem Jean-Claude Bastos de Morais também possui negócios na exploração de ouro na província da Huíla. O mesmo espera o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda, que ressalta que o combate à corrupção foi uma promessa eleitoral de Lourenço.
"O Presidente da República tem que, de facto, ter coragem, e nisso terá seguramente o apoio dos angolanos, para repor a verdade, tal como ele próprio dizia que ninguém pode ser tão rico e tão poderoso que se pode escapar à Justiça ou que seja impune".
Sociedade civil deve pressionar o Governo
Para o jornalista e ativista Rafael Marques, não se pode esperar que a oposição angolana pressione o Governo para que o caso revelado pelos Paradise Papers seja investigado no país. "A oposição partidária política em Angola é uma extensão do Governo. Desde que tomaram posse na Assembleia Nacional não se vê um deputado da oposição a bater-se contra a corrupção, estão todos caladinhos", refere.
Segundo o jornalista, "as organizações cívicas, os ativistas, devem continuar a pressionar para que, de facto, haja a demissão imediata de José Filomeno dos Santos e se abra um inquérito para investigar as atividades ilícitas de Jean-Claude Bastos de Morais em Angola".
O Fundo Soberano de Angola foi criado em 2012 para investir parte do dinheiro do petróleo no desenvolvimento do país. A DW África tentou contato com o Fundo Soberano e com Jean-Claude Bastos de Morais, mas não obteve sucesso. Entretanto, em entrevista ao Le Matain Dimanche, o empresário diz que a remuneração recebida pela Quantum Global corresponde a "padrão da indústria".