Angola: Aposta na formação para melhorar a Justiça
24 de maio de 2018Depois do Tribunal da Relação de Lisboa ter decidido pela transferência para Luanda do processo judicial que envolve o ex-vice Presidente angolano e ex-presidente da Sonangol, a petrolífera estatal angolana, Manuel Vicente, as relações político-diplomáticas luso-angolanas estão hoje mais desanuviadas.
Paulo Tchipilica, ex-provedor de Justiça de Angola, reconhece que "tal como foi dito pelas pessoas bastante autorizadas – por Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa e por Sua Excelência o Presidente da República de Angola – havia aí assim um nó górdio, um gargalo. Ou seja, era uma incomodidade que, realmente, entravava o bom relacionamento tradicional de longa data. E, sobretudo, nós temos em comum não só o legado da língua como também a cultura e outros aspetos que ligam Angola a Portugal."
No entanto, o jurista angolano evitou tecer comentários alargados sobre o caso "Manuel Vicente”, que poderá ou não beneficiar da Lei de Amnistia: "Ainda não foi decretada nenhuma amnistia. Portanto, vamos esperar tranquilamente que os operadores de justiça, os senhores magistrados judiciais do Ministério Público realmente realizem com tranquilidade o seu trabalho."
Justiça angolana em condições de julgar Manuel Vicente?
Perguntámos ao ex-governante se a justiça angolana reúne todas as condições para julgar o antigo presidente da Sonangol, ao que respondeu: "Nunca há justiça sem conflito. Eu não direi que tenha havido a transferência da questão jurídico-judicial para a política, mas houve aí vários outros aspetos, para além do tratamento próprio das instâncias judiciais. Eu lembro quando ministro da Justiça rubricamos, subscrevemos acordos de cooperação jurídica e judiciária."
E Paulo Tchipilica distancia-se do processo: "Eu não conheço realmente os meandros, sobretudo a essência deste processo, nunca foi dado sequer a dedilhar o processo em si, portanto não posso nem me devo pronunciar sobre esta questão em profundidade."
Antigo ministro da Justiça, quando Angola ainda vivia tempos difíceis marcados por conflito armado, Paulo Tchipilica foi um dos promotores de reformas no setor. Na sua perspetiva "a justiça está, realmente, no bom caminho. Os órgãos principais estão todos preenchidos. A própria Constituição prevê neste momento o preenchimento de uma lacuna da existência de uma segunda instância, portanto os tribunais da Relação."
E otimista diz: "Vale isto por dizer que, enfim, estamos de uma maneira ou de outra a caminhar bem. É claro que a justiça nunca é realizada, digamos, na sua totalidade, porque a justiça é a última coisa que deverá ser feita ao Homem."
Formação tem contribuído para melhorias na Justiça
Defende a continuação de esforços para a consagração de uma justiça melhor para melhor servir os cidadãos. O ex-provedor sustenta que, para tal, é necessário apostar na formação e capacitação dos quadros angolanos.
E ele lembra que "existe hoje em Luanda uma escola para a formação dos magistrados – o Instituto Nacional de Estudos Judiciários. Isto tem ajudado bastante, quer na reciclagem dos magistrados quer fundamentalmente quando são recrutados novos magistrados. Têm ali ações de formação e há não só magistrados mas também professores universitários que ministram os conhecimentos a esses novos magistrados."
A DW África quis também saber a opinião de Paulo Tchipilica sobre a recém aprovada lei de repatriamento de capitais pelo Parlamento angolano. Mas o jurista justificou-se: "Não tenho estado, digamos, muito de perto. Ainda não tive a oportunidade de ler nem o projeto nem a sua aprovação também na Assembleia Nacional. De modo que sobre este contexto também tenho muita pena, numa outra oportunidade, depois de conhecer todos os artigos e sobretudo a substância deste diploma talvez me possa pronunciar sobre esta situação."
O ex-ministro da Justiça acredita que as medidas que estão a ser tomadas pelas entidades competentes irão ajudar Angola a recuperar grande parte do capital colocado de forma ilícita no exterior do país.