Angola: Famílias temem perder terras em Ndalatando
19 de setembro de 2020Várias famílias que já vivem no bairro Castelo, setor da Camundai, na cidade de Ndalatando, e outras que adquiriram parcelas de terras na mesma zona estão em litígio com José Manuel Reis, suposto herdeiro do antigo empresário colonial Santos Diniz, o legítimo proprietário dos terrenos.
Os atuais donos das parcelas de terrenos em disputa acusam José Manuel Reis de querer desapropriá-los. Ouvidos pela DW África, os moradores indignados acusam o soba Custódio Jacinto de ser conivente com as disputas de terras na zona do bairro Castelo.
"É o branco que está a vir aqui, disse que o terreno é dele", conta Madalena Francisco, uma das proprietárias de terras no local. "O senhor tem que negociar com a senhora que vendeu esses terrenos, nós os moradores estamos à espera do senhor José para negociarmos", explica. "Já fomos à Administração e mandaram-nos ir ao soba Custódio, o soba também concordou que temos que negociar com o branco".
Vendedora ameaçada
Esperança Kapambo admite ter vendido parcelas de terreno a mais de vinte pessoas, que, afirma, agora querem matá-la. "Eu vendi, porque desde 1975 que estou aqui, nunca vi aqui ninguém. São 26 compradores, o soba mesmo é que fez o documento, mas quando me chamaram primeiro fui à administração responder, depois a administração devolveu o papel ao soba Custódio, o soba me disse que essa porcaria não vale, se ele que fez, como é que fala que isso é porcaria?", questiona.
Esperança Kapambo, de 59 anos, vive atualmente no bairro da Kipata, em Ndalatando, e diz que já não tem dinheiro para devolver aos compradores: "Estou a defender os manos que compraram, eu não tenho dinheiro para lhes devolver, o branco só apareceu agora a dizer que o terreno é dele. Pelo menos, poderia receber aquela parte onde não há ninguém e deixar-me essa parte, porque querem me matar", denuncia.
À DW África, o soba Custódio Jacinto Monanguene diz que o terreno em conflito já é do domínio das autoridades governamentais locais e foi vendido pela senhora Esperança Kapambo a mais de 80 pessoas e é propriedade legítima da família Santos Diniz.
O soba defende a negociação dos espaços em disputa já construídos e que os proprietários que ainda não ergueram as suas moradias percam a titularidade dos espaços.
"O governador já tem conhecimento, aliás viu o documento do Santos Diniz, não temos nada a reprovar, aquilo é legitimado ao proprietário, eles [vendedores e compradores] não têm a documentação, não têm o título de concessão de terra", explica o soba geral da Kamundai.
"O problema não é expropriar, é negociar"
A DW África contactou José Manuel Reis, que diz que a referida parcela em litígio seria para um projeto que já foi "por água abaixo". Disse ainda que o empresário colonial Santos Diniz lhe dispensou uma parcela com documentação e o assunto vai ser resolvido na administração municipal de Cazengo. "Já reunimos várias vezes, já estivemos no soba geral, já estivemos na administração. O problema não é expropriar o pessoal que lá está, é negociarmos", afirma.
Segundo José Manuel Reis, os proprietários comprometeram-se a contactá-lo no prazo de 30 dias: "Infelizmente não fizeram, isto é um assunto que se vai tratar na administração, podem continuar a viver [nos terrenos], só que têm de negociar, os senhores não estão a colaborar".
José Manuel Reis denuncia também que a população envolvida na disputa de terras o destratou, chamando-lhe nomes. "Faltaram-me ao respeito, enfim, trataram-me nomes feios, até de estrangeiro, eu, que não sou estrangeiro. Santos Diniz dispensou-me uma parcela, tenho a documentação toda", garante.
Críticas às autoridades municipais
Vários habitantes de Ndalatando que haviam requerido uma parcela de terra em 2017 à administração municipal de Cazengo mostram-se descontentes com as autoridades administrativas locais, devido ao incumprimento das promessas de distribuição de lotes de terras para autoconstrução dirigida.
Os lesados lamentam o silêncio da administração municipal, uma vez que já haviam pago 750 kwanzas que tinham depositado no banco BAI da repartição fiscal da AGT, afeta à delegação provincial das finanças do Kwanza Norte.
Contactada a administração municipal de Cazengo, através de Eliseu Veloso, diretor do gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa, sem gravar entrevista, disse que o administrador municipal Malungo Katessamo se nega a prestar qualquer declaração em relação ao assunto.
Tudo acontece numa altura em que a cidade de Ndalatando poderá contar nos próximos tempos com um projeto habitacional de renda média e alta. A apresentação do projeto foi feita pelo vice-governador para os serviços técnicos e infra-estruturas, Mendonça Luís, que não soube precisar quanto vai custar cada residência a ser edificada no local, mas disse que o material a ser usado pelos requerentes vai determinar o preço das mesmas. Mendonça Luís alertou àqueles que não têm capacidade financeira para não concorrerem à aquisição de um lote naquele espaço.