Angola: Faltou bom senso no reajuste salarial dos deputados?
19 de janeiro de 2018O Parlamento aprovou esta semana um ajuste de 5% nos salários-base dos 220 deputados. Os parlamentares alegam a necessidade de se reajustar o salário-base, nos termos da lei do Orçamento Geral do Estado (OGE), ainda de 2017 e argumentam que é em função dos níveis de depreciação da moeda nacional, o kwanza.
O deputado da CASA-CE, a segunda maior força da oposição, Manuel Fernandes esclarece que "não houve aumento de 5% de forma exclusiva para os deputados, o que aconteceu foi apenas o cumprimento de uma norma, de um decreto presidencial que ditava o aumento de salário da função pública e a Assembleia Nacional já o havia feito ao nível dos funcionários."
E Fernandes sai em defesa dos seus pares: "Entendemos que era altura de os deputados também poderem repôr a tal capacidade de compra do salário que apenas havia sido ajustada ao nível de 5% na função pública e que era a vez dos deputados."
Separação da gestão orçamental na origem do paradoxo
O constitucionalista angolano Albano Pedro explica que esse reajustamento encontra fundamento no facto de haver uma separação de programas orçamentais: "Um orçamento da Assembleia Nacional e outro do Executivo. É claro que da parte da administração pública, que é a maior parte da base de consumo ou de despesa do OGE, vai sair prejudicado. Portanto, o paradoxo explica-se por essa separação na gestão orçamental."
O Parlamento é uma unidade autónoma que gere o seu próprio orçamento.
Pedro critica dizendo que "não passa de um mero ajustamento que se acresce a um salário que já é normalmente alto. Sabemos que existem muitas despesas acrescidas a condição dos deputados que são cobertos pelos salários."
E o analista dá exemplos: "Basta saber que na Assembleia Nacional funcionam dois restaurantes de luxo e fazer uma refeição neles não deve ser barato. Portanto, há aí um conjunto de luxos que os deputados há um bom tempo organizaram para si mesmos e têm autonomia para votar sobre esses aumentos."
Bom senso: sim ou não?
Este reajustamento salarial acontece numa altura em que o Presidente João Lourenço fez saber que o aumento do sálario mínimo, que é magro, não será para já, embora esteja previsto. Além disso Lourenço anunciou também que o seu Governo vai retirar os subsídios de eletricidade, água e combustível, o que tornará a vida dos mais carenciados ainda mais penosa.
E o país vive uma grave crise económica. Não pedirá este contexto bom senso, principalmente aos deputados? O deputado da CASA-CE socorre-se de uma comparação para responder: "Eu não sei porque seria bom senso a nível dos deputados se a nível de outros setores não, do próprio Executivo os auxiliares dos titulares do poder Executivo ajustaram os seus 5% porque os deputados, que até ganham mal, se tivermos em conta o custo de vida e o que os deputados recebem..."
Já Albano Pedro defende, sim, que prevaleça o bom senso neste momento que se implementam medidas de austeridade.
E o constitucionalista cita um um princípio jurídico para argumentar: "Penso que este bom senso deveria ser mesmo dos deputados, de tentarem ajustar-se as próprias medidas de austeridade que estão a ser tomadas pelo Executivo."
"Isso seria a solidariedade institucional, um princípio que existe na nossa ordem jurídica, que obriga os órgãos todos, sejam eles de soberania ou não, que se solidarizem em prol do interesse público. E por essa via a Assembleia Nacional deveria obviamente ajustar as suas despesas em função da realidade que vivemos. Seria isso bom senso, um bom senso", conclui o constitucionalista.