Angola: Crianças que vivem da exploração de pedras
1 de junho de 2018João Alfredo* tem 13 anos. Vive fora da casa dos pais e, para sobreviver, engraxa sapatos numa rua de Luanda. Vestido com uma camisola e calções pretos, conta que não tem registo de nascimento. Por isso, nunca foi à escola. Mas tem esperança.
"Há alguns irmãos da igreja do bairro Palanca que disseram que me vão tratar cédula. Já pediram todos os meus dados e estamos a espera que eles tragam", afirma.
Como João Alfredo há milhares de crianças em Angola sem documentos, fora do sistema de ensino e que trabalham no duro para sobreviver. É o que revela um relatório do jornalista angolano Domingos da Cruz, publicado esta sexta-feira (01.06) na capital angolana.
Exploração infantil
"O relatório aborda a situação das crianças que se dedicam ao garimpo de areia e pedras em diferentes regiões de Angola, e, claro, fazem-no em diferentes locais. Uns em rios, outros no deserto, como é o caso da província do Namibe, e outros em terreno normal", refere Domingos da Cruz.
Intitulado "Eu Vivo das Pedras", o estudo de 88 páginas baseia-se em entrevistas a crianças nas províncias do Bengo, Benguela, Namibe e Huambo.
"Há crianças que confirmaram durante as entrevistas que há adultos que se aproveitam delas", indica.
Domingos da Cruz não revela em concreto no relatório quantas crianças se dedicam ao garimpo de pedras em Angola, mas lança o debate. O pesquisador lembra que o Direito ao Desenvolvimento da pessoa humana foi consagrado pelas Nações Unidas em 1986 e é inalienável.
"O que eu coloquei no relatório é uma amostra, que, no meu ponto de vista, é suficiente para lançar o debate e alcançar o objetivo central de chamar a atenção da sociedade e das autoridades para o problema", afirma.
Que soluções?
Em Angola, a Constituição da República protege os direitos da criança, mas muitas delas continuam a trabalhar. Para inverter este cenário, o relatório "Eu Vivo das Pedras" deixa recomendações ao Governo angolano.
"Por exemplo, a criação de consultórios de psicologia comunitária para recuperar crianças que certamente estão traumatizadas, fruto da atividade que realizam. Propõe igualmente um rendimento minímo para estas crianças e para as famílias, com vista a ajudá-las a recuperar e a reintegrar-se na sociedade. Só assim vamos ter uma sociedade diferente e contar com a contribuição delas para um país melhor."
Há dez anos, o Governo angolano adotou 11 compromissos para a proteção das crianças. Dois dos compromissos são possibilitar o "registo de nascimento" e garantir que todas as crianças vão à escola primária. Este ano, o Dia Mundial da Criança em Angola decorre sob o lema: "Reforçar a municipalização dos 11 compromissos para garantir a proteção integral da criança". O ato central para assinalar este Dia da Criança foi na Huíla.
* nome fictício