Alemanha inicia processo inédito contra líderes de milícias do Ruanda
3 de maio de 2011A Procuradoria-Geral da República da Alemanha acusa os dois ruandeses, que haviam pedido asilo no país europeu, de serem líderes da milícia hutu, ruandesa, FDLR, as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda, atualmente presentes na República Democrática do Congo.
Há 16 anos que a milícia ruandesa FDLR é responsável por massacres e violações em massa. As ordens terão chegado da Alemanha – e disso são agora acusados Ignace Murwanashyaka e Straton Musoni. No processo, trata-se de provar a responsabilidade pelos comandos por parte dos dois ruandeses.
Segundo a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch divulgou em comunicado de imprensa, o processo será um “precursor” porque será o primeiro em solo alemão a ser conduzido de acordo com o Código Alemão de Crimes contra a Lei Internacional, aprovado em 2002 e que integra na legislação alemã crimes que normalmente são julgados pelo Tribunal Penal Internacional.
O Código vale desde junho de 2002 e pode processar supostos criminosos de guerra por causa do princípio de competência universal. Esse princípio prevê que violações de direitos humanos também podem ser julgadas por tribunais alemães, mesmo que o crime tenha sido cometido em outro continente, e mesmo que nem os autores, nem as vítimas dos crimes sejam alemães. As testemunhas vão falar em suaíli ou kinyaruanda, por exemplo. Murwanashyaka et Musoni poderiam ser julgados por um tribunal alemão também pelo fato de, aparentemente, terem cometido os crimes a partir da Alemanha, onde residem e onde foram presos, em novembro de 2009.
Luvungi, na RDC, viveu trauma de violações em massa
Esta pequena aldeia fica na selva da República Democrática do Congo. Aqui reinam os rebeldes da milícia hutu ruandesa FDLR. Aqui, eles cavam minas à procura de ouro. São eles que controlam os poucos caminhos de acesso à aldeia. São eles também que maltratam a população, diz Marie, vítima de estupro coletivo. “Os rebeldes vieram uma noite, por volta das onze horas. Amarraram o meu marido e depois puxaram-me pelo cabelo – a mim e à minha filha de 3 anos. Depois violaram-me. Todos eles, quatro homens. E também violaram a minha filha. Fizeram isso em todas as casas. À frente dos nossos maridos e dos outros filhos“, relata.
Os rebeldes não agem de forma arbitrária. São os comandantes da FDLR que dão as ordens, bem planeadas e sistemáticas. Trata-se de uma tática, uma arma de guerra, diz Josephat Mutayongwa, chefe da polícia local: “Os ataques à aldeia de Luvungi e às outras aldeias da região, trataram-se de um conflito interno”, explica Mutayongwa. “A FDLR tinha antes fechado um acordo com um grupo rebelde local, congolês, os Mai-Mai, liderados pelo comandante Checka. Mas os dois grupos entraram em desacordo quanto ao controlo das minas de ouro. Checka e os seus seguidores vêm destas aldeias, os seus pais, as suas mães, as famílias inteiras vivem aqui. Violar sistematicamente as mulheres tratou-se de vingança“, explica.
Líderes das FDLR acusados de comandar massacres à distância
As violações em massa do ano passado aconteceram logo a seguir à prisão dos líderes rebeldes, a partir da Alemanha. Portanto, eles não podem ser acusados disso. Contudo, o que aconteceu em Luvungi acontece todos os dias na selva do Congo. Há 16 anos. Terrorismo sistemático por ordem dos líderes.
O presidente da FDLR, Ignace Murwanashyaka, e o seu vice, Strato Musoni, são agora acusados disso. Crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Os rebeldes que entregaram as armas à ONU, disseram à organização que as ordens vinham de Ignace Murwanashyaka, da Alemanha. Um major da FDLR confirma: “A estrutura mostra uma vertente política e uma militar. Murwanashyaka, que está na Alemanha, é o chefe da vertente política, mas também tem o comando do Exército. O segundo general é um fiel amigo de Murwanashyaka“, diz.
Foi em 2009 que as Nações Unidas escutaram uma comunicação via rádio. O chefe militar Sylvestre Mudacumura dava a ordem para que os rebeldes desencadeassem uma catástrofe humana. Desencadeou-se, então, uma série de massacres brutais. Há provas de que Mudacumura tenha comunicado com Murwanashyaka antes e depois dos massacres.
Autora: Sabine Schlindwein / Marta Barroso / Renate Krieger
Revisão: António Rocha