Cidadãos dos PALOP denunciam racismo na cidade do Pegida
20 de agosto de 2018O movimento anti-imigração Pegida realiza frequentemente protestos em várias cidades da Alemanha. Em Dresden, os protestos são semanais. Nas suas manifestações, os apoiantes do movimento, os chamados "Patriotas Europeus Contra a Islamização do País", proferem um discurso de ódio contra estrangeiros, exigem o encerramento das fronteiras da Alemanha e o fim da imigração ilegal, entre outras exigências.
Quem vive na cidade diz que o racismo tem sido rotina desde a criação do movimento, em 2014.
"Está muito pior aqui. Está muito mal mesmo, aqui na Saxónia. Estamos a viver com muita dificuldade nessa cidade," afirma o soldador angolano Massumo Neluimba, que mora há 18 anos em Dresden.
Legitimação do racismo
Além das manifestações semanais do Pegida, a capital da Saxónia é um dos redutos mais fortes do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Depois de eleita como a terceira maior força do Parlamento alemão, a AfD quer agora tornar-se o maior partido no Parlamento da Saxónia, nas eleições estaduais de 2019.
Massumo Neluimba conta que já foi vítima de racismo nos transportes públicos da cidade e que, nos dias em que o Pegida sai às ruas, evita estar por perto.
"Todas as segunda-feiras eu fico em casa, não saio à rua. Quando eles fazem a manifestação, não tenho coragem de sair. Fico em casa, porque sei que são pessoas que não gostam de estrangeiros. Sinto-me intimidado. Pode acontecer alguma coisa ou podem bater-me. Antes das 18 horas tenho de estar em casa para não acontecer um problema grave", relata.
Matilde Djaló é portuguesa de origem moçambicana. Veio para Dresden há três anos, para fazer uma formação para cuidar de idosos. Logo à chegada, deparou-se com um protesto do Pegida.
"Num dia desses, eu saí à rua e havia essa manifestação. Foi muito estranho, porque todo o mundo praticamente só olhava para mim e dizia 'Ausländer raus, Ausländer raus,' que significa imigrante fora, não queremos imigrantes aqui", descreve.
"Foi um choque para mim, foi um grande choque, porque eu não estava à espera daquilo. Porque eu acordo às quatro da manhã para trabalhar e chego à rua e as pessoas dizem 'Ausländer raus," lamenta.
Matilde relata também outras situações em que se sentiu constrangida: "É um bocadinho estranho chegar à rua e as pessoas dizerem: 'aquela é preta'. É triste, ninguém gosta de ouvir isso. Eu nunca ouvi isso em toda a minha vida. Chego aqui, as pessoas olham para mim, já me chamam de preta. Eu sei que sou, mas não preciso que alguém me diga, aquela é preta," critica .
Propaganda anti-imigrantes
Nas suas campanhas contra os imigrantes, tanto o Pegida como a AfD divulgam constantemente, nas redes sociais, reportagens sobre crimes cometidos por estrangeiros. Matilde Djaló diz que sofre na pele este tipo de manipulação da informação.
"Eu sinto que sou colocada no mesmo pacote, mas não é o que acontece no dia a dia. Porque também qualquer um pode cometer [crimes], mesmo os próprios alemães fazem isso. Só que escondem, não contam a realidade deles, contam a realidade dos outros. Porque também a preocupacao maior é afastar os imigrantes", avalia.
A moçambicana Olga Carlos é enfermeira e vive há 32 anos em Dresden. Ao longo de todo esse tempo, viu o racismo passar por altos e baixos. Para ela, as manifestações contantes do Pegida e a presença da AfD nos parlamentos estadual e alemão têm contribuído para o aumento do racismo nos últimos anos.
"Naturalmente senti tanta, tanta diferença, porque já em 1991 havia muito racismo aqui na Alemanha. Depois ficou muito calmo aqui em Dresden e sentia-me à vontade. Mas depois começou este movimento Pegida e, então, a pessoa já sentia alguma diferença na rua, nos carros elétricos".
Tratamento hostil
A enfermeira trabalha há 27 anos num hospital religioso, atualmente com pacientes com cancro. Apesar de contribuir para o bem estar dos doentes, muitas vezes recebe de volta um tratamentto hostil.
"Os doentes que estão aí perguntam se naquela enfermaria só meteram estrangeiros para trabalhar. Até já tive doentes que disseram: 'Hoje é segunda-feira. Se eu estivesse lá fora, hoje teria ido à manifestação'. Exatamente esses doentes é que têm tido esses problemas de nos chamar de estrangeiros. Isso não foi sempre assim. Aliás, no local de serviço nunca senti nenhum racismo. Tanto com os médicos, como com as colegas enfermeiras, não há nenhum racismo, nunca senti isso," afirma Olga Carlos.
Segundo dados de um inquérito de 2016, 22,5% da população alemã tem origem migratória, mais da metade destas pessoas são cidadãos alemães. Boa parte deles contribuem para impulsionar a forte economia do país, com a sua força de trabalho e o pagamento regular de impostos. Apesar disso, o racismo faz parte da vida destes cidadãos. Muitos não acreditam que a discriminação racial irá diminuir em Dresden.
"Com o número de imigrantes que vêm entrando aqui, acho que as coisas vão piorando, porque o Pegida vai sempre tocar na mesma tecla, que são os imigrantes que fazem isso. Acho que isso vai aumentar, não vai parar", considera Matilde Djaló.
"Aqui não se muda nada. Já estou aqui há 18 anos. O que eu vejo ou o que eu já vi... Não melhora aqui, nunca vai melhorar", acrescenta Massumo Neluimba.
Já a enfermeira moçambicana Olga Carlos entende que muitos alemães ainda não se adaptaram a esta realidade e batalha por uma maior consciencialização.
"Eu digo-lhes: vocês têm de ter cuidado. O alemão, hoje em dia, não é mais loiro e com os olhos azuis, porque já estamos misturados. Eu, por exemplo, não sou estrangeira, sou alemã. Os meus filhos também são alemães. Então, eles só veem a cor e começam logo a dizer que você é estrangeiro", finaliza.
Uma mudança de mentalidade parece difícil, mas certamente seria um bom caminho para um futuro de mais igualdade numa sociedade tão plural como a alemã.