Acusação aponta erros do TPI na absolvição de Laurent Gbagbo
22 de junho de 2020Em fevereiro de 2019, Laurent Gbagbo, agora com 75 anos, saiu da prisão em Haia (Países Baixos) em liberdade condicional, na Bélgica, após 7 anos atrás das grades. O ex-Presidente da Costa do Marfim foi liberto na sequência de uma surpreendente absolvição por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI) devido a falta de provas.
O braço direito de Gbagbo, o ex-ministro da juventude Charles Ble Goude, de 48 anos, também foi absolvido.
Os dois homens estavam em julgamento desde 2016, acusados de incitar à violência e de crimes contra a humanidade, incluindo assassinato e violação. Os crimes terão sido cometidos em 2010 e 2011, durante a violência pós-presidenciais na Costa do Marfim, que causou a morte a três mil pessoas.
Pedido de anulação da absolvição
Com o objetivo de anular esta absolvição e obter um novo julgamento, a Procuradora-Geral do TPI, Fatou Bensouda, apresentou um recurso em setembro de 2019, apenas oito meses após a absolvição.
Até quarta-feira (01.07) o TPI vai realizar audiências para apreciar o pedido da procuradora para que haja um julgamento de recurso.
Esta segunda-feira (22.06), na primeira audiência, o Ministério Público considerou que os juízes do TPI não emitiram uma decisão totalmente fundamentada e cometeram erros de direito e processuais na absolvição de Laurent Gbagbo, em 2019.
Devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, a audição desta semana é parcialmente virtual, o que constitui uma estreia para o TPI. Gbagbo assiste por videoconferência, enquanto Goudé está presente na sala de audiências.
Críticas aos juízes
O Ministério Público junto do TPI criticou os juízes da secção de julgamento por terem apresentado os seus fundamentos por escrito em julho de 2019, seis meses após a decisão, comunicada oralmente, de absolver os dois homens. Foi um período demasiado longo, "o que lançou dúvidas sobre a fiabilidade da decisão", indicou a acusação.
O tribunal "não proferiu uma decisão devidamente fundamentada" sobre a absolvição e "não tinha concluído o seu exercício, quando absolveu oralmente os dois homens em janeiro de 2019", afirmou Helen Brady, procuradora-adjunta sénior.
Brady disse que isso "manchou a própria essência do processo judicial, afetando assim a confiabilidade e a integridade da decisão em si".
Provas insuficientes?
Uma das razões para a absolvição, segundo os juízes, foi o facto de não existirem provas suficientes contra os visados. No entanto, a acusação apresentou uma "quantidade significativa de provas", disse Brady, com 4.610 documentos e 96 testemunhas ouvidas durante o julgamento.
Além disso, "o lapso de tempo" foi muito curto "entre o processo da moção de insuficiência de provas e a absolvição", defendeu a própria acusação.
"As vítimas apoiam e aderem aos argumentos da acusação que demonstram que a maioria cometeu vários erros de direito e falhas processuais" ao absolver Gbagbo e Blé Goudé, afirmou Paolina Massidd, representante das vítimas perante o TPI.
"Os referidos erros são o resultado de um procedimento extremamente deficiente e são apenas alguns exemplos de um fracasso geral da câmara de julgamento em conduzir um julgamento justo para as vítimas", acrescentou.
De regresso à Costa do Marfim?
Recentemente, o TPI negou um pedido de libertação incondicional de Gbagbo, 75 anos. No entanto, atenuaram as condições da liberdade condicional ao antigo presidente, que está agora autorizado a sair da Bélgica. Necessita apenas de concordância prévia de qualquer país que deseje visitar.
O partido político de Laurent Gbagbo, a Frente Popular da Costa do Marfim (FPI), apelou ao atual Presidente, Alassane Ouattara, para que "dialogasse", a fim de permitir o regresso do ex-chefe de Estado ao país.
Uma associação de vítimas da crise pós-eleitoral 2010-2011 manifestou rapidamente a sua "forte oposição" a um eventual regresso do ex-Presidente à Costa do Marfim.
Tecnicamente, caso regresse ao país Gbagbo enfrenta a prisão, após ter sido condenado à revelia a um mandato de 20 anos por um tribunal da Costa do Marfim, em novembro passado pelo "roubo" da filial local do Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) durante a crise pós-eleitoral.
TPI em declínio?
A absolvição de Gbagbo foi um duro golpe para a acusação, uma vez que foi o primeiro ex-chefe de Estado a ser julgado pelo TPI, fundado em 2002 para julgar as piores atrocidades do mundo
A audiência desta segunda-feira (22.06) chega quando a procuradoria do TPI luta contra uma série de absolvições e casos fracassados, incluindo o do político congolês Jean-Pierre Bemba, absolvido em 2018 por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Também vem numa altura em que o TPI está a ser atacado pela administração do Presidente dos EUA, Donald Trump, devido à investigação do tribunal sobre crimes cometidos pelas forças dos EUA durante a guerra no Afeganistão.