"A Teia do BANIF" desvenda os negócios da elite angolana
26 de janeiro de 2023No livro "A Teia do BANIF", editado pela Casa das Letras, António José Vilela revela supostos "planos secretos" do banco português, supostamente para "lavar" 1 500 milhões de dólares em negócios envolvendo a elite angolana e relacionados com o caso "Lava Jato", no Brasil.
O jornalista português diz que a empresária angolana Isabel dos Santos não foi a única pessoa envolvida em negócios pouco transparentes em Portugal, com o conluio do sistema financeiro-económico português.
"O sistema económico português precisava desse dinheiro e fechou os olhos. De onde é que este dinheiro vinha exatamente? Naquela altura, em Portugal sobretudo, nos anos de 2010 a 2012, não se questionava isso. Ou seja, Isabel dos Santos era uma empresária impoluta", recorda em entrevista à DW.
A irmã de Isabel dos Santos, Tchizé dos Santos, também empresária, ou o então administrador da Sonangol, Manuel Vicente, assim como o banqueiro Carlos José da Silva eram outras das figuras com boa conotação em Portugal, que fariam circular milhões pelos bancos portugueses.
Entre estes, o BCP e o BPI, mas também o Banco Privado Atlântico (BPA), o BIC ou o EuroBic. Mas, de repente, acrescenta o jornalista, "começou-se a perceber que havia muitas movimentações feitas através desses bancos, que eram movimentações suspeitas".
"Kopelipa movimentava milhões"
"O general Kopelipa movimentava milhões e milhões através destes bancos, inclusive com o Banco Espírito Santo (BES). Higino Carneiro movimentava muito dinheiro. De repente apareciam a comprar apartamentos no Estoril aos 19, 12, 14 milhões de euros", recorda.
Os interesses financeiros angolanos em Portugal não se esgotam em Isabel dos Santos, sustenta o jornalista, a propósito do "dinheiro sujo" que viria a circular no sistema bancário português.
"É algo que vem de trás, praticamente a partir do final dos anos 90", acrescenta, e que deu origem a processos de investigação judicial envolvendo altos responsáveis políticos e económicos angolanos.
"Na maior parte das vezes, esses processos foram arquivados, mas a questão não era se os processos eram arquivados. Era: como é que surgia tanto dinheiro de Angola e destas pessoas no sistema bancário português?", sublinha.
Muitos processos arquivados
Muitos destes processos terão sido arquivados porque "as autoridades angolanas protegiam todas estas figuras", refere o autor do livro "A Teia do BANIF", que é apresentado esta quinta-feira (26.01) em Lisboa, onde constam todas estas histórias devidamente documentadas.
"O [então] procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa – que foi procurador durante dez anos – era ao mesmo tempo o Procurador-Geral que mandava apresentar queixas em Portugal contra determinadas entidades, mas também era a pessoa que negociava com os advogados em Portugal a proteção das figuras que estavam a ser investigadas e que ele dizia serem seus amigos."
A empresária Isabel dos Santos sempre negou as acusações de fraude e lavagem de dinheiro que pesam sobre ela. Tchizé dos Santos, Manuel Vicente e Carlos José da Silva também negam o envolvimento em corrupção.
Há cerca de uma semana, duas consultoras ligadas a Isabel dos Santos e ao banco EuroBic, onde a empresária detinha capital maioritário, foram alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária portuguesa, a pedido das autoridades judiciais angolanas. O objetivo era a apreensão de documentos alegadamente relacionados com o desvio de dinheiro da Sonangol, depois das revelações do escândalo "Luanda Leaks".
Portugal "foi uma lavandaria"
O jornalista angolano Rafael Marques entende que a cooperação judicial entre Angola e Portugal não deve ser resumida ao "caso Isabel dos Santos". Deve sobretudo abordar a participação de empresas de construção e firmas de advogados, além de empresários portugueses, que não têm nenhum processo em Portugal, que ele considera como possível parte ativa da corrupção em Angola.
"Temos de começar a olhar para essas relações entre Angola e Portugal não apenas vendo os angolanos como sendo corruptos, mas sobretudo como Portugal durante estes anos todos foi uma lavandaria. Isso foi feito com o apoio dos portugueses", defende o ativista.
Sendo assim, será preciso identificar os portugueses que cooperaram com a empresária angolana Isabel dos Santos e levá-los à Justiça, diz o jornalista. "Se Isabel [dos Santos] cometeu atos ilegais, também cometeram os portugueses", acrescenta.
Rafael Marques vai mais além ao afirmar que "parece haver um conluio entre as justiças angolana e portuguesa" para deixar de fora os cidadãos portugueses que estejam alegadamente envolvidos em atos de corrupção em Angola. "Não falo dos angolanos com dupla nacionalidade", precisa o jornalista, para quem estes atos começam a tomar cada vez mais contornos de discriminação.
Atualização às 15:33 (CET) de 1 de fevereiro de 2023 -
Na sequência deste artigo, Welwitschia "Tchizé" dos Santos entrou em contacto com a DW, manifestando-se numa comunicação gravada:
"Eu não tenho nenhuma associação financeira direta, nem indireta, a nenhuma das outras pessoas citadas neste artigo. Não poderia ser acusada de nenhum tipo de corrupção, porque eu nunca exerci nenhum cargo que envolvesse a gestão de dinheiro do Estado, do dinheiro público. Não exerci nenhum cargo no Governo, nem de José Eduardo dos Santos, nem de João Lourenço. Fui apenas deputada, e os deputados não gerem orçamento", afirmou Tchizé dos Santos.