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A geração "Born Free" da África do Sul quer mais igualdade social

Kerstin Welte / Marcio Pessôa27 de junho de 2014

As últimas eleições na África do Sul trouxeram à tona uma discussão de comportamento entre as diferentes gerações do país. Jovens que nasceram no pós-Apartheid comentam a atual tendência política do país.

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Foto: picture-alliance/Yadid Levy/Robert Harding

Foi a primeira vez que a chamada Geração Livre (ou Born Free) teve a oportunidade de escolher o presidente, mas apenas um terço se cadastrou para o pleito.

Enquanto muitos que sabem o que foi passar pela repressão do Apartheid correram às urnas, outros mais jovens preferiram ficar em casa ou curtir o feriado com os amigos.

Os chamados “Born Free” nasceram após a saída de Nelson Mandela da prisão, em 1990. Teoricamente, tratam-se de cidadãos com os mesmos direitos e chances, mas, na prática, vivem vidas completamente diferentes.

Tiffany Siam nasceu em 1993 pode buscar e escolher o que bem quer, mas a sociedade sul-africana ainda precisa percorrer um longo caminho para alcançar a igualdade.

“Nós temos ainda muito para fazer - economicamente e no convívio entre as pessoas. As pessoas ainda são reprimidas por sua cor de pele, língua ou origem. É claro que não é como antes – como uma doutrina de Estado. Mas a forma que você encara isto depende da forma que a pessoa foi criada”, diz Siam.

Tiffany conversou com a DW África no Campus da Universidade Witwatersrand em Johanesburgo. Ela estuda Geologia e Gestão Ambiental. Trata-se de uma jovem negra que gosta de brincos dourados grandes e tem uma longa trança.

O preconceito social

Muitos estudantes passam por ela usando calças e camisetas. Outros tantos usam burka e quipá - a cobertura judaica para a cabeça. Quase um milhão de estudantes sul-africanos convive com esta mistura cultural diária. Para Tiffany, este é o exemplo de que o velho ódio racial desapareceu, mas a diferenças são ainda bastante presentes.

“Quando, por exemplo, se vê uma moça negra com um rapaz branco, pensa-se logo: “ela conseguiu!”. Mas por que? Nós frequentamos a mesma escola, falamos o mesmo idioma.

Porque algumas pessoas se sentem melhores quando tem alguma coisa a ver com os brancos? Nós precisamos fugir disso e a universidade me ajudou muito. Aqui todos são integrados e cada qual tem orgulho de suas origens”, explica.

Südafrika Wahlen Wahllokal 07.05.2014
Baixa participação de jovens nas eleiçõesFoto: Reuters

Tiffany vem de um dos principais subúrbios brancos de Johanesburgo. Sua mãe começou a trabalhar como ajudante doméstica e se tornou gerente de um negócio e um exemplo para a filha. Os quatro irmãos mais velhos ajudaram a financiar os seus estudos.

Na universidade tem a amiga Amanda Mudau. Ela estuda Geografia e Arqueologia. Tudo isto só é possível graças a bolsas de estudos. Seus pais são formados, mas não tem uma vida confortável. Hoje, é o dinheiro que divide os jovens na África do Sul.

“Existem raparigas ricas que estão acostumadas com isto. Eu não ligo para o meu pai para dizer: “Papá, eu preciso de um novo telemóvel.” Eu tenho de ter um motivo extraordinário para pedir para o meu pai alguma coisa. Não basta somente uma outra pessoa ter algo que não tenho. Por isso, eu acho muito louco o fato de elas terem uma vida tão diferente da minha. É bem estranho. ”

A parcela abastada

Quando começaram o curso, Alex Nash e Megam Thomas também notaram isto, mas por uma outra perspectiva. Ambos conversaram com a reportagem em um centro comercial na zona rica de Sandton. Hoje, são visitantes na cidade onde nasceram.

Alex estuda Medicina na Escócia enquanto Megam estuda Comunicação na Cidade do Cabo. Enquanto pedem um café gelado, falam sobre as escolas privadas, grandes jardins e férias na Europa. Na verdade, cresceram neste ambiente com os seus pais brancos, mas sem a opressão do Apartheid que rejeitavam.

Alex lembra que estudantes de diferentes raças se relacionavam normalmente na escola. No entanto, as diferenças eram muitas. Alguns colegas moravam em Soweto e tinham bolsa de estudo. Ela diz que os colegas negros chegavam sempre de autocarro à escola enquanto os brancos estavam acostumados a ser levados de carro.

“No início, eles não tinham telefones móveis. Isto deve ter sido bastante difícil para eles. Ver-se, de uma hora para outra, num ambiente onde todos em volta têm dinheiro. A maioria dos meus amigos era bastante privilegiada, mas dever-se-ia tomar cuidado para falar sobre isso para não criar situações desconfortáveis”, recorda.

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Partidos políticos não despertam tanto interesseFoto: Reuters

Alex e Megan conseguem hoje lidar com o que aconteceu. Alistaram-se no exército, são bem informados politicamente e debatem com seus amigos como a situação na África do Sul poderia melhorar para todos. No entanto, o grupo onde são discutidos tais temas não é tão mesclado assim.

Megan acha que a integração está a ser bem-sucedida, mas se mantém dentro das classes sociais.

“Todos os meus amigos negros ou outros do mesmo círculo de amizades fazem as mesmas coisas ou passam as férias nos mesmos lugares. Eu não acho que percebemos esta situação dessa forma. Por exemplo, nossos pais não dizem: “você tem amigos negros” - como se isso fosse diferente”, explica.

A “democracia jovem”

O segmento social no qual Jeffrey Mulaudzi está inserido é basicamente constituído de pessoas pobres e negras. Ele vive em Alexandra, o bairro mais antigo de Joanesburgo. Fica a alguns quilômetros de região rica de Sandton. Cem mil moradores fazem a região ter elevada densidade populacional.

As ruas são pavimentadas, mas, fora isto, nada mudou muito nas últimas décadas. Atrás de cada casa existem cabanas e barracas feitas de placas de metal. O cheiro de lixo se mistura com o de carne assada. Peças de plástico estão em poças de água. No meio disto tudo está Jeffrey, um homem alto, magro e sorridente.

“Eu tenho bastante sorte se compararmos com muitos outros com a minha idade por aqui. É difícil estudar aqui no bairro porque geralmente o quarto é dividido com outros familiares. Houve uma época que tínhamos televisão em casa e minha irmã mais nova queria ver seus programas favoritos enquanto eu tinha de estudar. Este é o grande problema por aqui: você não pode se desenvolver como você gostaria porque quase não há espaço para você mesmo”, afirma Jeffrey.

Jeffrey teve que lutar e conquistar o seu espaço. Ele oferece um "tour" de bicicleta por Alexandra para turistas. Já faz isto há quatro anos e tem três colaboradores. Além disso, está em um programa de orientação para jovens empreendedores.

Por isso usa terno de vez enquanto. No entanto, Jeffrey ainda não tem muito dinheiro. Às vezes, ter alguns trocados no final do mês para uma dose de Red Bull é um luxo. Mas ele tem uma atitude clara e positiva: inveja não leva a nada. Ele vê o fato de ter nascido em “liberdade” como uma responsabilidade.

Südafrika Born Free
Convívio na Universidade WitwatersrandFoto: Kerstin Welter

“O fato é que você tem que trilhar o seu caminho. Você não precisa ter a mesma cor, mas você pode ter boa situação econômica também. Minha mãe nunca tinha sequer um centavo e eu tinha que ir a pé para a escola. Agora, às vezes, eu posso até comprar uns sapatos para os estudantes. Eu já pedi dinheiro, mas agora eu posso até comprar comida para outra pessoa”, explica.

Em Alexandra, vivem somente sete famílias brancas. O círculo de amigos de Jeffrey não é, portanto, tão misturado. Mas ele está convencido de que isto vai mudar. “Nós somos ainda muito novos na nossa democracia - apenas 20 anos, é muito recente. Eu vou pra qualquer lugar que eu queira, mas eu vou ser tratado de forma diferente de acordo com a cor da minha pele. Mas não faz mal. Ficar com raiva não ajuda. Só piora as coisas”, opina.

Pensamento positivo

Não é somente Jeffrey que tem esta forma positiva de pensar. A maior parte da geração “Born Free” age desta forma. As dificuldades são compartilhadas - quase dois terços da sua geração não têm emprego ou uma boa formação.

Isso preocupa Tiffany e Amanda na universidade. No entanto, elas confiam que o trabalho duro vai levá-las a atingir os seus objetivos. Acham que a África do Sul precisa de mais tempo para deixar o Apartheid definitivamente para trás.

A maioria dos meus amigos dizem para esquecer o Apartheid e que é preciso olhar para frente. Mas as pessoas em casa e pelo país dizem.

“Nós não podemos esquecer. Se você agora pode dizer que você nasceu em liberdade significa que nós lutamos por isto!”. É claro que eu não passo muito tempo pensando sobre isto. Pensar em vingança é algo humano, mas eu não tenho isto. Eu olho o todo e celebro onde nós estamos agora. Mas nós ainda não atingimos o objetivo final.

A democracia trouxe oportunidades sem precedentes para toda uma geração. Todos concordam com isto, não importando a cor da pele ou a condição econômica. Orientam-se em Nelson Mandela e a sua visão de uma sociedade mais aberta e justa. Não é apenas Tiffany que pensa em se engajar politicamente. Mesmo quando, no momento, não exista um partido que aponte para um futuro certo para todos.

“Temos de parar de culpar o governo por tudo. Somos responsáveis por isto. Se as pessoas que lutaram pela nossa liberdade, simplesmente tivessem se sentado e se queixado da opressão na qual viviam, não estaríamos livres. Então, nós, os jovens de hoje, precisamos fazer algo por nós e nossa liberdade”, explica Tiffany.

Südafrika Born Free
Alexandra (esq.) e Megan: visitantes no local que nasceramFoto: Kerstin Welter

Ser livre significa algo um pouco diferente para todos os chamados “nascidos livres”: é poder ir a universidade, abrir um negócio, construir uma casa para a família onde quiser ou apenas viajar bastante.

Mas deixar a África do Sul neste momento, simplesmente porque agora poderiam fazê-lo não é uma opção válida para os que pertencem a esta geração, mesmo não havendo muitas chances para maioria no país. Como tantos outros, Megan quer ficar no país.

Todos preferem ficar. Apesar de todos os problemas que falamos, não há outro lugar que eu gostaria de estar neste momento. É tão interessante nós estarmos conscientes dos nossos problemas e termos tanta vontade de superá-los. Deve haver algum potencial que todos nós enxergamos [por aqui].”

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