África Subsaariana atenta às revoltas no mundo árabe, diz imprensa alemã
3 de junho de 2011O jornal Süddeutsche Zeitung destacou que, poucas vezes, os estados ao sul do deserto do Saara olharam com tanta atenção para os países do norte da África e para o mundo árabe. As revoltas no Egito e na Tunísia, assim como na Síria e no Iêmen, são alvo de observação minuciosa pelos líderes políticos do sul do continente africano, que estão atentos também aos bombardeamentos, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), à Líbia de Mouammar Kadhafi.
Ao mesmo tempo, os líderes políticos da África Subsaariana registraram exatamente como a França se envolveu na crise pós-eleitoral da Costa do Marfim, que terminou em abril com a consolidação de Alassane Ouattara – o Presidente reconhecido pelo Ocidente – no poder.
O Süddeutsche Zeitung indaga que tipo de conclusão tiram os líderes ao sul do Saara das duas intervenções (Líbia e Costa do Marfim). "Será que os países vão estocar armamentos para se proteger de revoltas internas, assim como de ataques externos?", escreve o jornal, que diz ainda que "o que é certo é que a desconfiança cresceu – e que tons anti ocidentais vêm sendo ouvidos com muito mais frequência nos últimos tempos". O Süddeutsche Zeitung cita o "ditador" da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, atualmente Presidente da União Africana: "A África não precisa de influência externa. A África precisa lidar sozinha com os próprios assuntos".
Essa postura, diz ainda o jornal, se reflete especialmente no trato do Ocidente com a Líbia, que parece estar transmitindo, para a África a mensagem de que as potências ocidentais não são confiáveis.
Abyei: primeiro passo para solução pacífica
Foram apenas algumas as referências da imprensa alemã ao assunto, mas, de acordo com o jornal Die Tageszeitung, esta semana foi dado o primeiro passo para uma solução pacífica do conflito interno sudanês. O conflito ao qual o diário faz referência é a disputa pela região de Abyei, que fica entre o norte e o sul do Sudão. Agora que o sul do Sudão deverá concretizar a independência, a 9 de julho, a questão fica ainda mais urgente, diz o jornal.
O Die Tageszeitung escreve que o primeiro passo foi dado, porque os dois lados estão negociando em vez de entrar numa disputa militar por Abyei. Na passada terça-feira, a União Africana divulgou uma declaração dizendo que o norte e o sul do Sudão entraram em acordo para definir uma zona desmilitarizada ao longo da disputada fronteira. Seria possível, de acordo com a União Africana, mobilizar tropas do órgão africano para esta região – tudo para controlar a zona. A Etiópia, vizinha do Sudão com boas relações com os dois lados, considera enviar essas tropas de paz.
Também se poderia instaurar um comitê comum, composto por ministros da Defesa, chefes de serviços secretos e comandantes militares dos dois lados. Esse comitê comum poderia assumir a administração de Abyei no próximo dia 9 de julho, dia em que o sul oficializa a independência.
O jornal alemão destaca que o norte minimiza a ideia do comitê – que seria um plano de muitos. O norte ainda quer que o exército do sul retire todas as suas tropas do futuro país vizinho, colocando-as ao sul do rio Kiir, definido como fronteira natural interna pelos colonizadores britânicos em 1956. A disputada cidade de Abyei, na região de mesmo nome, fica ao norte do rio.
O jornal diz ainda que a luta por Abyei é sobretudo simbólica: a pertença ao norte ou ao sul do Sudão deveria ter sido decidida num referendo popular – algo que foi definido no acordo de paz de 2005, após a guerra civil. Mas o referendo nunca foi realizado, porque não houve acordo sobre que cidadania teriam os nômades Misseriya – entre outras questões parecidas.
"Então, ficamos sozinhos"
O mesmo Die Tageszeitung destacou, como outros meios da imprensa alemã, o testemunho de uma mulher de 34 anos diante do tribunal regional de Frankfurt, centro da Alemanha. Ela, principal testemunha do processo, depôs contra Onesphore Rwabukombe, ex-Presidente da Câmara da cidade ruandesa de Muvumba, na fronteira com o Uganda. Desde janeiro passado, Rwabukombe está no banco dos réus na Alemanha, país onde vive há vários anos – ele é acusado de genocídio pela Procuradoria-Geral da República.
Onesphore Rwabukombe seria responsável pela morte de mais de 3.700 pessoas. Os autos do processo preenchem 25 pastas de arquivo, 31 testemunhas já depuseram, mas a distância temporal com o genocídio de Ruanda, em 1994, parece grande demais para permitir que todas as lembranças dos sobreviventes sejam nítidas. Até esta quarta-feira (1 de junho), o 23º dia do processo.
A testemunha volta no tempo, até os seus 17 anos, relata também o jornal Frankfurter Rundschau. No dia 7 de abril de 1994, começavam os massacres que levaram ao genocídio no Ruanda. Em poucas semanas, milícias da etnia majoritária hutu massacraram cerca de 800 mil pessoas da etnia minoritária tutsi, assim como hutus moderados. Nesse mesmo dia, a mulher procurou abrigo na igreja de Kiziguro. Os padres espanhóis fecharam o portão do pátio da igreja; dia após dia, deixavam entrar cada vez mais pessoas, parte delas gravemente feridas. No dia 10 de abril, os padres abandonaram a igreja. "Ficamos sozinhos", diz a testemunha, que dividiu a igreja com cerca de 1.500 outras pessoas.
Um dia depois, soldados, policiais e milicianos invadiram a igreja de Kiziguro; à noite, 1.200 pessoas estavam mortas.
Estes assassinatos teriam sido ordenados por Onesphore Rwabukombe. Os soldados teriam aberto o portão do pátio, e Rwabukombe teria gritado: "Trabalhem! Trabalhem!" – a ordem codificada para que as milícias hutu matassem tutsis.
Os sobreviventes do massacre de Kiziguro acabaram tendo de arrastar os cadáveres até um poço próximo à igreja, jogando os corpos lá dentro. Depois, tinham de pular no poço. Durante dias, 14 pessoas ficaram deitadas, vivas, entre os cadáveres – até que jornalistas os encontraram, lembra o Frankfurter Rundschau.
Autora: Renate Krieger
Revisão: Marta Barroso