África do Sul: ANC permitiu saque dos cofres do Estado
29 de abril de 2022Na quarta parte do relatório, entregue à Presidência da República sul-africana, o juiz Raymond Zondo questiona ainda o papel do ANC, o partido no poder desde 1994, na captura do Estado sul-africano.
Segundo o juiz e atual chefe da Justiça sul-africana, que liderou a comissão judicial de investigação à captura do Estado pela grande corrupção na presidência de Jacob Zuma (2009-2018), o atual Presidente Cyril Ramaphosa e o dirigente nacional do partido Gwede Mantashe frisaram perante a comissão de inquérito que o ANC "tem o direito de dar o seu parecer” sobre quem é nomeado para gerir as entidades estatais.
Metade do relatório hoje divulgado centra-se no desfalque da estatal de eletricidade Eskom, que se encontra falida e tecnicamente incapacitada após 28 anos de governação do ANC.
Entre os vários casos apontados, o relatório destaca um contrato de fornecimento de carvão de mais de 221 milhões de euros com uma entidade comercial da família indiana, entretanto fugida do país.
"Silêncio" do parlamento
O juiz sul-africano questiona no relatório a atuação da direção do ANC quando os Gupta assumiram alegadamente o controlo das principais empresas públicas sul-africanas como a Transnet [portos e ferrovia], Denel [Defesa e armamento] e Eskom, criticando também o "silêncio" do parlamento e do executivo perante as alegações de captura das instituições públicas pela grande corrupção.
Estima-se que a Eskom, que fornece mais de 90% da eletricidade na África do Sul, tem atualmente uma dívida de cerca de 400 mil milhões de rands (24 mil milhões de euros), segundo a imprensa local.
Nos últimos anos, a empresa tem sido incapaz de manter em funcionamento várias centrais de energia, mergulhando regularmente o país e empresas na escuridão com frequentes cortes de eletricidade de mais de duas horas diariamente.
Outros crimes abordados
A quarta parte do relatório divulgado pela Presidência da República, em quatro volumes, aborda ainda a tentativa de captura do Tesouro Nacional pelo ANC, a corrupção na câmara de Joanesburgo, e as alegações de fraude nos contratos milionários de habitação social e operações de remoção de amianto na província de Free State, centro do país, então governada por Ace Magashule, ex-secretário-geral do partido no poder.
A parte final do relatório deverá ser entregue à Presidência da República até 15 de junho, segundo a presidência sul-africana.
O Presidente Ramaphosa, que na época em que ocorreram as alegadas transgressões ocupava o cargo de vice-presidente de Jacob Zuma, tanto no partido do poder como na Presidência da República, terá de decidir o que fazer com as recomendações do juiz Zondo.
Depois de assumir o cargo de Zuma, que foi afastado pelo partido antes de terminar o mandato, Ramaphosa estimou em cerca de 500 mil milhões de rands (30 mil milhões de euros) o arrombo dado por elementos do seu partido nos cofres do Estado sul-africano, prometendo fazer do combate à corrupção o seu "cavalo de batalha”.